quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O Egocentrismo Necessário (E O Desnecessário)

O egocentrismo é a característica de uma personalidade que pensa e sente que tudo gira ao seu redor. O indivíduo egocêntrico é aquele que prioriza os seus pensamentos, desejos e necessidades sobre os de todos os outros, incluindo, tantas vezes, os dos próprios filhos. Ele, primeiro que todos os outros, deve estar bem.
Assim, o egocentrismo exacerbado dificulta a capacidade fundamental de colocarmo-nos no lugar do outro, entrando em rota de colisão com a empatia (que é precisamente a capacidade de perceber o que o outro está a sentir). Na presença predominante do egocentrismo, só me percebo a mim: por exemplo, sinto que fui magoado, fui ignorado, fui contrariado ou negligenciado, mas não me importa o que o outro está a sentir nem reflito sobre a minha responsabilidade na situação. O indivíduo maioritariamente egocêntrico tem muita dificuldade em descentrar-se de si mesmo e de abdicar da sua vontade ou necessidade. Quando o faz, normalmente, cobra. Tudo o que dá de si fica “registado” pois é com sacrifício que o faz, considerando-se por isso em défice e colocando o outro em dívida para com ele.
Os peritos em egocentrismo são, por excelência, as crianças. No geral, pensam-se o centro do mundo — têm uma dificuldade natural em entender que as coisas nem sempre são como pensam nem funcionam à sua maneira. Depois, são as experiências da vida que, principalmente a partir dos 3 anos, permitirão gradualmente o reconhecimento e validação dos outros: os que são diferentes, os que brincam diferente, os que querem coisas diferentes. Porém, é importante que as crianças tenham passado pela fase egocêntrica; é importante serem e sentirem-se, por uns momentos, o centro. É o que acontece quando o bebé sente o encantamento amoroso da mãe e quando as famílias se organizam em função dos seus bebés e das suas necessidades. Só aos poucos, à medida que estes se vão autonomizando devagarinho, é possível ir introduzindo pequenas separações ou compassos de espera, frustrações naturais do quotidiano que facilitam essa passagem.
Casos há em que, por nunca terem sido o centro de nada, se tornam adultos ciosos de ser o centro de tudo, focando-se em si porque nunca antes puderam ser verdadeiramente importantes. Outros, inversamente, cresceram em ambientes em que esse egocentrismo nunca foi desmontado, tendo as famílias continuado a girar sempre em torno da criança, ou mesmo do jovem Assim, consoante as circunstâncias do nosso crescimento, permanecem no adulto doses diferentes deste egocentrismo primordial. Uns crescem com cada vez maior capacidade de se descentrar de si próprios, convivendo com facilidade com a existência dos outros e dançando flexivelmente entre todos. Outros ficarão tão focados em si mesmos que não têm espaço para as necessidades e desejos de mais ninguém. E cheios de si, permanecem, tristemente, sós.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

A Banalidade do Mal



Surgem, aqui e acolá, certos radicalismos. Surgem, aqui e acolá, certos nacionalismos. Não precisamos olhar para muito longe na história para saber que este é um assunto que merece muita discussão e reflexão nas sociedades. Afinal de contas, o que parece é que as massas caem nestas armadilhas sem perceber muito bem como.
Hannah Arendt foi uma filósofa política alemã que se debruçou sobre o estudo das origens do totalitarismo e que criou um conceito extremamente interessante, a “banalidade do mal”. Tendo assistido ao julgamento de Adolf Otto Eichmann, responsável pela logística do extermínio de milhões de pessoas no final da II Guerra Mundial durante a chamada “solução final”, Arendt concluiu nos seus artigos que Eichmann não tinha quaisquer motivos criminosos nas suas acções era um homem assustadoramente banal, um burocrata medíocre que justificou todos os seus comportamentos com o cumprimento de ordens superiores. Uma máquina executante, que jamais reflectiu sobre o significado das suas acções, sem livre arbítrio ou capacidade crítica. Não foi a maldade extrema que conduziu os comboios para Auschwitz, não foram monstros cheios de ódio ou racismo que comandaram as operações no terreno: foram funcionários competentes de uma burocracia estatal, em modo de obediência cega.
A “banalidade do mal” está, então, ao alcance de cada um de nós, a partir do momento em que nos demitimos de questionar a realidade que se desenvolve em nosso redor e aquilo que é exigido de nós no seio de uma sociedade. Nesse sentido, Arendt usou várias vezes a expressão “thoughtlessness” (ausência de pensamento; acriticismo) para se referir ao que está na origem da “banalidade do mal” — não são pessoas diabólicas que cumprem ordens diabólicas; para cumprir ordens, sejam elas quais forem, basta absterem-se de pensar sobre isso.
Toca-se aqui o fenómeno do conformismo e da obediência à autoridade. O conformismo é a tendência para seguir as massas dominantes. A maioria dos indivíduos prefere dizer “amén” (e fazer parte de qualquer coisa) do que afastar-se ou colocar-se contra as ideias vigentes. É, digamos, mais confortável. A obediência à autoridade é outra característica muito humana, conforme demonstrou Milgram nos seus estudos, quando verificou que 65% dos indivíduos em análise seguiam cegamente a ordem superior de executar choques elétricos de intensidade crescente ao próximo, independentemente do que viam acontecer à sua frente.
A lealdade burra e acrítica conduz a catástrofes, aponta Arendt, que soube bem destacar o quão demencial foi o quadro social de massas enfeitiçadas por um führer. Em tempos de radicalismos e novos nacionalismos, desde o Reino Unido à América, é por demais importante lembrar isto.