quarta-feira, 18 de maio de 2016

Esta Coisa da Verdade


Verdades esperam-nos, serenamente, ao longo do caminho. Não têm a nossa urgência e por isso deixam-se estar, sabendo que tudo tem um tempo mesmo que esse tempo nos pareça fora de tempo. O nosso tempo é diferente do tempo do Universo. Não se sabe muito bem porquê mas é, quase sempre, assim. Pois então que tarde, mas que chegue, por fim, essa coisa da verdade. Outras vezes ela já se tinha mostrado, em sinais de fumo à beira da estrada, mas nós, distraidamente ou propositadamente, não vemos. Aí o problema da verdade já não é o tempo que ela demora mas sim a nossa dificuldade de olhar de frente para ela. Pois então que se olhe tarde, mas que se olhe, por fim, para essa coisa da verdade.
É que como dizia Thoreau, pensador do séc. XIX: Mais do que amor, do que dinheiro, do que fama, dêem-me a verdade”. E à semelhança de Thoreau, também a psicoterapia e a psicanálise (assim como outras disciplinas que abordam o desenvolvimento pessoal) colocam a verdade acima de todas as outras coisas. Se algo não assenta em verdade, não tem validade. De pouco nos serve um amor se este não é sincero: amor de aparências, amor conformado, exigido ou manipulado, não nos preenche, não nos satisfaz. De pouco nos serve dinheiro se não nos permite viver honestamente: se nos faz viver no medo ou na ilusão da nossa competência. De pouco nos serve a fama que não derive da autenticidade: se o reconhecimento nos chega através de uma falsidade, de uma artimanha ou “personagem”, sentiremos sempre o vazio dessa ficção, de uma história que não é nossa, e sentir-nos-emos sempre pouco amados na nossa essência.

Porém, a espécie humana prefere muitas vezes a superficialidade, preferindo mentiras confortáveis à profundeza da verdade. Mentiras confortáveis sobre a vida, sobre os outros e sobre nós mesmos. As verdades nem sempre nos confortam, pelo contrário, obrigam-nos a mexer: obrigam-nos a olhar as falhas, a trabalhar mais, a continuar à procura, a perder coisas e a seguir em frente. As verdades doem porque fazem crescer, mas se crescer dói, não crescer mata. Viver na mentira, principalmente a interna, mata a vida psíquica porque viver de forma não genuína é o mesmo que não viver, é simular uma vida. É no encontro connosco próprios, na nossa verdade, que se constrói o único caminho que nos realiza, e que assegura que um dia mais tarde, sintamos a paz de ter existido de forma real neste mundo. 

Uma Outra Definição Para o Amor


"Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu caço galinhas e os homens caçam-me a mim. As galinhas são todas parecidas umas com as outras e os homens são todos parecidos uns com os outros. Por isso, às vezes, aborreço-me muito. Mas, se tu me cativares, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, repara! Estás a ver aqueles campos de trigo ali adiante? Eu não gosto de pão e, por isso, o trigo não me serve para nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando tu me tiveres cativado, vai ser maravilhoso! O trigo é dourado e há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do som do vento a bater no trigo." — in O Principezinho