segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Olívia


Olha, vou começar! Espero que gostes! Era uma vez uma menina chamada Olívia que vivia num grande palácio. Ela não era uma princesa mas era uma menina muito rica, filha de uns pais muito ricos. No palácio havia todos os luxos possíveis e imaginários e a Olívia passava os seus dias entre cortinados de cetim e porcelanas chinesas, escondendo-se e encontrando-se atrás de todos os objectos que pudessem servir de esconderijo. Sim, não me interrompas, ela é que se encontrava a ela própria porque não havia ninguém à procura dela! Deixa-me continuar a história. Um dia a Olívia cansou-se de se procurar a si mesma e começou a criar teatros de marionetas. Havia três personagens, três colheres de pau roubadas da grande cozinha e transformadas no pescador, na mulher do pescador e na filha do pescador. Mas a Olívia só tinha duas mãos para as três colheres de pau e a plateia dos seus espectáculos (todos os bonecos que tinha) não era muito participativa e também isso acabou por perder a graça. Por esta altura, a Olívia descobriu os livros. Os livros tornaram-se a sua terceira grande companhia. Pelas histórias dos outros a Olívia integrou a sua própria história e coloriu os espaços em branco que ia encontrando. Sim, a Olívia assim não se sentia só. Xiu, deixa-me continuar. Foi assim que a Olívia foi crescendo, graças à sua capacidade de criar e colorir o seu próprio mundo, tão fisicamente despido e tão simbolicamente rico. Foi assim que foi crescendo até poder descobrir o mundo. Até perceber que fora do grande palácio existia um sem fim de possibilidades e de plateias e de olhos interessados em si. E foi quando se tornou mais parte do mundo que se sentiu mais zangada. Não, não é nada estúpido. Foi porque cá fora começou a comparar a vida no palácio com outras vidas e as pessoas do palácio com outras pessoas e percebeu que tinha perdido coisas importantes pelo caminho, não te parece evidente? Desculpa, não queria ser rude. Tomara eu que me fizessem tantas perguntas como tu fazes e que se interessassem tanto como tu te interessas. Não, claro que não estávamos a falar de mim, estávamos a falar da Olívia! Eu só estou a contar uma história!

Give Me Truth


Verdades esperam-nos, serenamente, ao longo do caminho. Não têm a nossa urgência e por isso deixam-se estar, sabendo que tudo tem um tempo mesmo que esse tempo nos pareça fora de tempo. O nosso tempo é diferente do tempo do Universo. Não se sabe muito bem porquê mas é, quase sempre, assim. Pois que seja. Que tarde, mas que chegue, essa coisa da verdade. Outras vezes ela já se tinha mostrado, em sinais de fumo à beira da estrada, mas nós, distraidamente ou propositadamente, não vemos. Mas aí o problema da verdade já não é o tempo que ela demora mas sim a nossa incapacidade de olhar de frente para ela. Pois que seja. Que se olhe tarde, mas que se olhe, por fim, para essa coisa da verdade. Como dizia Thoreau: "rather than love, than money, than faith, than fame, than fairness... give me truth". Pois tudo o resto, quando não assenta em verdade, não tem validade.

― Fotografia de Finn Beales, in Mývatn, Islândia

domingo, 23 de novembro de 2014

O conflito de gerações


Há algum tempo a capa da revista Time apresentou-nos a “Me Me Me Generation”, categorizando a juventude actual como extremamente narcísica, individualista e egocêntrica. Rapidamente se instalou a polémica perante essa capa que correu o mundo. Em defesa dos jovens se diga que, por exemplo, é mais comum desenvolverem comportamentos pró-ambientais do que um indivíduo de 50 ou 60 anos. Sendo o planeta responsabilidade de todos, quem serão os mais individualistas? Há na juventude, claramente, narcisismo e egocentrismo, o que é diferente de individualismo. É que os dois primeiros estão intimamente ligados ao processo de crescimento: narcisismo, porque a identidade própria está em construção e necessita de ser reafirmada; egocentrismo, porque a imaturidade torna difícil entender as coisas sob outros e diferentes pontos de vista que não o próprio. Mas individualismo, atitude de não se preocupar com os outros, será uma acusação injusta, pois se há coisa que caracteriza a adolescência é a sensibilidade social e a busca de justiça. Vendo bem, quantos adultos não são igualmente narcísicos e egocêntricos, tendo ficado suspensos no seu caminho de crescimento pessoal?
Acusações mediáticas à parte há sempre tensão entre gerações. É com frequência que opiniões públicas ou privadas a denegrir as gerações mais novas se fazem ouvir. Porque se atacam tanto os jovens? Que os jovens possam criticar os “velhos” até se entende, já que são eles os “miúdos”, inexperientes e justiceiros, para quem é tão fácil apontar o dedo. Que os adultos respondam na mesma linguagem é que se torna mais difícil de entender, pois deveriam ter algum entendimento sobre o que ficou para trás. Será tão fácil esquecer o quanto as gerações sempre chocaram entre si? Será tão difícil lembrar como os jovens de antigamente também se diferenciaram dos seus pais? Tudo o que é diferente é estranho, mas não necessariamente mau. O futuro o dirá.

Todas as gerações são diferentes das gerações que as precederam. Se o mundo está em permanente transformação como poderia ser de outra maneira? A verdade é que o ser humano tem alguma dificuldade em responsabilizar-se pelo que acontece em seu redor mas somos nós quem define a direcção em que se move o mundo. Para falar sobre jovens, teremos de sempre de falar um pouco sobre quem foram os pais dos jovens e de que cultura de valores foi criada para eles, seja em que época for. Se não gostamos dos jovens que criámos teremos sempre de fazer um mea culpa sobre o mundo que construímos para eles.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Das turbulências


Há dias que são como mares revoltos. Nesses dias, as emoções são fortes. Porque tal como a agitação marítima traz à superfície coisas que habitualmente estão no fundo do mar, a turbulência emocional invoca o que está no mais profundo de nós, misturando tudo à superfície. Se o mar está agitado, mais cedo ou mais tarde, enquanto combatemos as ondas e as correntes, vêm ao de cima os medos mais remotos, as feridas mais antigas e as memórias mais bem guardadas, fazendo-nos sentir ainda mais desamparados face às intempéries. O pânico pode tomar conta. Felizmente, temos também acesso aos nossos recursos e bóias de salvação que fomos armazenando durante o caminho. Afectos positivos, aprendizagens e competências de toda a espécie que mobilizamos para combater tudo o que de mau nos atormenta no meio da tempestade. Na certeza, sempre, que nenhuma tempestade dura para sempre e que a impermanência das coisas é, nestes momentos, uma característica muito útil da condição humana. Depois da tempestade vem a bonança. Isso sim, invariavelmente.

Wise Up

De olhos e mente bem abertos para as aprendizagens e constatações necessárias.