quarta-feira, 25 de junho de 2014

Com Cinco Sentidos

ilustração de Justine Brax
Foram-nos dados cinco sentidos. Cinco instrumentos maravilhosos sem os quais seria muito mais difícil relacionarmo-nos com o mundo. São, todos eles, ferramentas relacionais e, sendo nós “animais relacionais”, quanto melhor usamos essas ferramentas, mais integrados nos sentiremos. A pergunta que se coloca é: desses cinco sentidos, com quantos verdadeiramente vivemos a nossa vida?
Olhamos, mas olhar é diferente de ver. Ver é olhar com interesse e com presença. Estando verdadeiramente ali. Observar os detalhes do mundo é uma forma de viver o momento presente, retirando o foco da nossa atenção do passado e do futuro. Ver o céu, o mar, as árvores. Ver as pessoas.
Precisamos de escutar, que é diferente de ouvir. Escutar é ouvir com atenção, com disponibilidade e com abertura de espírito. Parar de priorizar todas as emoções, pensamentos, crenças e/ou preconceitos com que recebemos, a priori, tudo o que ouvimos. Tudo isso que carregamos connosco satura-nos o espaço mental de tal forma que não somos capazes de escutar mais nada. Para escutar é preciso ter espaço dentro de nós para acolher aquilo que estamos a ouvir. Seja música, seja a palavra do outro ou as nossas próprias palavras.
Precisamos de usar bem o nosso tacto. Usá-lo para sentir, que é diferente de tocar. Somos seres de pele, o órgão mais sensível que temos. Tocar as plantas, os animais, receber essa energia que arrepia, sentir o frio e o calor, o suave e o áspero, que nos produzem emoções distintas (ora agradáveis ora desagradáveis) mas que por isso mesmo nos fazem sentir vivos. Sentir o outro. Abraçar.
Precisamos de cheirar. O cheiro é armazenador e despoletador de memórias e, por isso, tão relacional como todos os outros sentidos. Cheirar a terra molhada, a relva cortada, as flores, o mar, o fumo dos carros ou das chaminés, o cabelo dos nossos amores e as sardinhas assadas.
Também precisamos de saborear, que é diferente de comer. Saborear é desfrutar, com prazer. Sem pressa nem avidez. Com tranquilidade e presença. Saborear o alimento ou saborear um beijo (que também alimenta).

E eventualmente, se quisermos falar de um sexto sentido, talvez pensar que só se possa desenvolver se usarmos em pleno os outros cinco. Se vivermos com presença, com atenção e disponibilidade para o mundo sabendo ver, escutar, sentir, cheirar e saborear os momentos e as pessoas. Só assim podemos eventualmente aceder a algum tipo de insight a que podemos, então, chamar de intuição.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Matilde Campilho


Há neste planeta chamado Terra uma mulher com ar de menina que tem uma sensibilidade de outra galáxia e uma maneira deliciosa de a verter para palavras. Tem um videopoema que diz: 

"É terrível a existência de duas rectas paralelas
Porque elas nunca se cruzam
E elas apenas se encontram no infinito"


E então eu digo ainda bem que não foi preciso esperar pelo infinito para a encontrar. Abençoadas as perpendicularidades da minha
vida!

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Pedrinha (Das Separações e das Zangas)

Na última sessão, três meses depois, Celina (11 anos) repetia para o pai sem o olhar: “Não gosto de ti! Não te quero ver!”.
Eu intervenho com a tradução latente, para o pai: “ A Celina não quer ver, não porque não gosta, mas porque gosta mesmo muito do seu pai!...”
O tom afirmativo e seguro da minha voz ajudou Celina a aceitá-lo. Fica muito menos tensa e caem-lhe lágrimas em silêncio.
O pai, que era de facto um homem inteligente e seguro, colabora de modo excelente. Após um silêncio pergunta-lhe suavemente quando pode ir buscá-la a casa para lancharem juntos.
Esta responde: “Lá para Novembro!” (estamos em Agosto). Numa intuição notável, o pai insiste: “Então talvez logo às cinco da tarde…” – “Bem, não sei! Não sei se tenho compromissos. Tenho que perguntar à mãe se posso.”
Já que a mãe e a terapeuta consentem este amor, ele não é mais causa de sofrimento. Saio do gabinete e deixo-os a combinar pormenores.


Teresa Ferreira in A Defesa da Criança

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Liberdades e Libertações


No dicionário, a definição de liberdade aponta para: “Direito ou condição de alguém dispor de si, de fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Condição de homem livre. Independência.” É um conceito filosófico que norteia e simultaneamente intriga a humanidade desde sempre por ser tão fácil perceber que a ideia de liberdade tem limites e limitações. O Homem que vive em sociedade sabe que não pode ser absolutamente livre. Pelo menos no que respeita às normas de conduta e aos deveres a que não pode fugir. São limites da realidade. 

Então de novo olhamos para a filosofia, para a psicologia e para a psicanálise que, abordando outros vértices da ideia de liberdade, nos ensinam sobre a “liberdade de ser”. E ensinam-nos sobre ser autêntico, ser espontâneo, ser eu mesmo independentemente da vontade dos outros. Falam-nos da liberdade de não assumir uma identidade que não me pertence unicamente para agradar ao(s) outro(s). Contam-nos sobre o poder de encontrar a minha própria verdade, pois é a procura da verdade que nos liberta (sejam verdades sobre nós, sobre os outros, ou sobre o mundo). O caminho explica-nos que conhecimento é também liberdade. Querer ser livre de saber e querer saber para ser livre. 

Nesta linha, já Descartes dizia que age com mais liberdade quem melhor compreende as alternativas que antecedem a escolha. E assim, só quem teve a possibilidade de tactear os vários caminhos possíveis poderá escolher livremente por onde seguir, quem ser e o que fazer da sua vida. Se sentirmos que podemos traçar o caminho que quisermos, podemos escolher mais livremente, de acordo com o nosso desejo. Só nosso. Por outro lado, quando somos doutrinados desde cedo, quando alguém nos aponta sistematicamente o caminho, não há outra verdade para além daquela que nos é injectada. Vejam-se os regimes ditatoriais, que impregnam a mente alheia de dogmas que impedem os indivíduos de escolher outras alternativas. Não concebem a possibilidade de poder ser, pensar e fazer diferente. É a total ausência de liberdade. É o pensamento escravizado logo desde que nasce e que bloqueia à partida toda a expansão da mente.

E perante todos os condicionamentos envolventes, os limites tornam-se limitações. Estas, se não devidamente questionadas, podem passar despercebidas toda uma vida. Padrões de funcionamento/pensamento vincados em nós que nos dão a ilusão de sermos livres quando, em boa verdade, somos escravos de nós mesmos, sem o sabermos. Portanto podemos dizer que nunca seremos totalmente livres enquanto a causa/origem dos nossos comportamentos permanecer tantas vezes desconhecida. São dados excluídos da consciência e aos quais só conseguimos ter acesso depois de superadas determinadas defesas e resistências (também elas na maioria das vezes inconscientes). 

Contudo, a beleza de tudo isto é que estas limitações são mais fáceis de ultrapassar do que os limites da realidade (que nos ultrapassam). Só dependem de nós. Somos nós que nos amarramos a nós mesmos. E quanto mais e melhor conhecermos a nossa verdade interior, menos escravos seremos dos nossos medos, das nossas crenças, dos nossos bloqueios. Seremos mais livres dos nossos traumas e das nossas defesas. E só assim se faz o caminho para uma maior liberdade de ser. Essa, uma vez conquistada, ninguém nos pode tirar. Será, no fim de contas, a mais nossa, única, e a mais importante de todas.