quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Ensaios/Rascunhos

Lembro-me agora de todas as bonecas a quem cortei o cabelo. Mais importante que os brinquedos, são as brincadeiras, ensaios da vida. A imaginação, a concretização e, quantas vezes, o arrependimento (lição aprendida: não se cortam cabelos de cabeça para baixo). Conviver com o brinquedo estragado, lidar com a zanga, elaborar o remorso, poder repará-lo ou aprender a gostar dele mesmo assim. Felizes os que estragaram brinquedos. A propósito de brinquedos, ou não, Feliz Natal!

Pedrinha (Dos brinquedos partidos)


Os pais, que se lamentam porque um brinquedo foi escangalhado cometem um erro considerável, que demonstra a sua ignorância acerca de um fenómeno importante: os bocados dos brinquedos escangalhados têm ainda mais valor para a criança do que os brinquedos inteiros, são-lhe muito úteis durante muito tempo.


in A Criança e a Expressão Dramática (Entrevista de Françoise Dolto, psicanalista de crianças)

sábado, 7 de dezembro de 2013

Não se diz ao triste que se alegre


João dos Santos, mestre pedagogo, médico e psicanalista português do séc. XX, dizia que “não há melhor remédio para a tristeza do que chorar”. No entanto, se alguém chora junto de nós, com quanta facilidade dizemos “deixa lá, não chores”, sem nos apercebermos como somos chatos quando não damos espaço para o outro chorar. Mais do que chatos, somos pouco empáticos e mesmo desrespeitosos, pois respeitar a tristeza de alguém implica aceitar esse sentimento, legitimá-lo e permitir a sua expressão.
A verdade é que quando dizemos a alguém para não chorar ou para não ficar triste, fazemo-lo por nós e não pelo outro. Zangando-se, muitos pais ficam melindrados ou sentidos com o choro dos seus filhos. Acham que lhes dão tudo do bom e do melhor e que, assim sendo, eles não têm motivos para chorar, “esquecendo-se” que todos temos tristezas incompreensíveis. Por vezes mandamos o outro não chorar porque o choro nos é incómodo, desconfortável ou mesmo perfeitamente insuportável, espelhando como é difícil suportar a tristeza e o desamparo de alguém. Aceitar o choro do outro implica aceitar o sofrimento do outro e mais, recorda-nos de sofrimentos muito nossos, que tantas vezes tentamos esquecer. Contactar com as partes mais frágeis do outro é contactar também com as nossas, e é aí, nesse lugar escuro, que pedimos, “não chores”.
É que para além de não conseguir lidar com o outro que chora, muitos não podem ou conseguem, eles próprios, chorar. Uns não choram porque nem se apercebem que estão tristes, o que é algo ainda mais triste. É uma existência robotizada. Outras pessoas sabem que estão tristes, mas aprenderam a esconder do mundo a tristeza. Talvez porque em pequeninos ninguém lhes tenha dado liberdade de chorar. Talvez alguém lhes tenha ensinado (fundamentalmente aos rapazes) que chorar é sinal de fraqueza. Chorar é também uma questão cultural, mas quantas vezes a cultura nos oprime e limita nos nossos instintos mais básicos e saudáveis? Chorar é melhor do que qualquer antidepressivo. Chorar é catártico. Permite libertar tensão, aliviando a angústia e pondo fora o sofrimento, ao invés de o guardar cá dentro, como uma espécie de “dor de estimação”.

Como dizia Luís de Camões, “pouco sabe da tristeza quem, sem remédio para ela, diz ao triste que se alegre”. Perante o choro de alguém, em vez de conselhos, ofereça-se antes um colo ou um abraço, ainda que isso intensifique o choro. Mais vale pôr para fora do que para dentro. Em psicoterapia, muitas melhoras acontecem quando alguns pacientes se tornam capazes de chorar. Chorar é aceitar a nossa humanidade e parar de fugir do sofrimento. Só não sofre quem está morto. 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Pedrinha (Do Medo)


O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
ótimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projetos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Alexandre O’Neill
in Abandono Vigiado (1960)

domingo, 24 de novembro de 2013

Ainda sobre a realidade...

... porque na realidade o óptimo é frequentemente inimigo do bom.

Contos de Gente


Era uma vez. E depois foram felizes para sempre. É o princípio e fim de quase todos os contos de fadas que povoam o imaginário das crianças. É inquestionável a importância dos contos de fadas: ajudam-nos a imaginar, a sonhar e a desejar. Ensinam-nos sobre o amor e sobre a amizade. Sobre os afectos. Sobre os valores. Ensinam-nos sobre a coragem e sobre a derrota e a vitória. Com eles aprendemos também a gerir emoções semelhantes às sentidas nos enredos da vida real. São fundamentais, os contos de fadas.
O que é de pensar é que embora em todas estas histórias haja sempre lugar para as desventuras e percalços, o final, no entanto, é sempre inquestionavelmente feliz e nunca nenhum deles nos conta o que acontece depois. O “felizes para sempre” é um momento estático, fechado, é a frase que não deixa espaço para imaginar o que podia acontecer durante os 20 anos que se seguem, encerrando com o fim do conto todas as angústias. E se quando somos pequenos, acreditar nos desfechos felizes é o que nos permite andar para a frente com esperança, crescer é deixar cair a ilusão de que o fim das histórias é incondicionalmente feliz. Sem mais sobressaltos. Sem mais tropeções. As histórias são felizes enquanto puderem ser. Ora são mais felizes, ora são menos felizes, ora tornam a ser mais felizes. Crescer é poder tolerar a dúvida e aceitar que as certezas pertencem a um mundo que não é humano nem real, mas sim tranquilizadoramente encantado, pois cá fora a realidade é dinâmica e está sempre em movimento, envolvendo as pessoas e as suas relações nessas oscilações.
Para lá dos contos de fadas, há no mundo adulto muita literatura e cinema que assenta igualmente neste ideal de que no fim tudo está bem quando acaba bem. Aliás, muitas pessoas não toleram uma história cujo final não inclua esse momento “cor-de-rosa”. Porque aí há uma angústia que fica em aberto. Assim, percebemos que a problemática dos contos de fadas não se limita às crianças nem aos adolescentes. Quando falamos nessa fantasia infantil de não querer aceitar a montanha-russa da nossa existência falamos também duma parte de todos nós, adultos, que fica mais ou menos presa a um ideal de felicidade que nos acompanha desde pequenos.
Viver é encarar com optimismo essa realidade que não é eternamente nem estaticamente cor-de-rosa, aceitando que há muitos outros tons que pintam as histórias das nossas vidas. São tons vermelhos, laranjas, azuis, verdes, amarelos. Também há os cinzentos e mesmo os pretos. É, a realidade não é um conto de fadas. Mas é uma pintura colorida ainda mais interessante, viva e saborosa do que um conto de fadas. São contos de gente.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Dos abraços fortes


Pedrinha (Dos Abraços)

"A duração média de um abraço entre duas pessoas é de 3 segundos. Mas os investigadores descobriram algo fantástico. Quando um abraço dura 20 segundos há um efeito terapêutico sobre o corpo e mente. A razão é que um abraço sincero produz uma hormona chamada "oxitocina", também conhecida como a hormona do amor. Esta substância tem muitos benefícios na nossa saúde física e mental, ajuda-nos, entre outras coisas, para relaxar, a sentir segurança e a acalmar os nossos medos e ansiedade. Este maravilhoso calmante é oferecido de forma gratuita cada vez que temos uma pessoa nos nossos braços" 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Pedrinha (Da Liberdade de Ser)


“A análise é árdua e faz sofrer. Mas quando se está desmoronando sob o peso das palavras recalcadas, das condutas obrigatórias, das aparências a serem salvas, quando a imagem que se tem de si mesmo torna-se insuportável, o remédio é esse. Pelo menos, eu o experimentei (...) Não mais sentir vergonha de si mesmo é a realização da liberdade (…). Isso é o que uma psicanálise bem conduzida ensina aos que lhe pedem socorro”.


Françoise Giroud

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Elogio à Consciência dos Momentos Felizes


"Desde cedo que temo a possibilidade de passar pelas horas mais felizes da minha vida sem as reconhecer. Não sei com quem aprendi esse talento. Sinto pena silenciosa quando vejo alguém recordar um tempo em que foi feliz como se, só naquele instante, demasiado tarde, identificasse a felicidade que atravessou. Não quero esse desperdício para mim. A vontade de reconhecer os melhores momentos da minha vida no instante em que estou a vivê-los, dá-me a lucidez de estar sempre alerta para a felicidade. É essa a minha sorte."


José Luís Peixoto in Breve partilha da minha sorte infinita

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Impulsividade



Como uma espécie de relâmpago emocional, todos possuímos e sentimos impulsos. O que varia é a luminosidade do relâmpago, isto é, o grau em que nos invade o pensamento, e o barulho do trovão subsequente, ou seja, a capacidade de conter/controlar esses impulsos.
Ser impulsivo é um funcionamento psicológico mais associado à infância ou à adolescência mas tornou-se uma característica relativamente aceite na idade adulta, muito em parte porque se encontra erradamente associada a uma personalidade forte. Assim, confunde-se frequentemente impulsividade com autenticidade ou mesmo com energia/entusiasmo quando podemos ser genuínos e activos sem sermos impulsivos (ou seja, emocionalmente reactivos). O comportamento impulsivo denuncia uma dificuldade em tolerar os conflitos internos, nomeadamente, afectos mais incómodos e desagradáveis como a ansiedade (ou medo), a frustração ou a raiva. Perante estas emoções, sem uma necessária “digestão” das mesmas (por falta de estrutura psicológica) ou das situações que as despoletam, agimos impulsivamente. Outras vezes, pouco tolerantes à dúvida ou à espera (de novo, nada mais que a ansiedade), agimos, seja por palavras não pensadas, seja num comportamento irreflectido.
Quando há uma maior possibilidade de introspecção, isto é, de pensar analiticamente sobre as coisas (as nossas, as dos outros ou as do mundo) torna-se possível funcionar mais ponderadamente. Pensar implica primeiro conter dentro de nós algumas emoções mais difíceis (durante maior ou menor quantidade de tempo) e depois analisá-las e resolve-las internamente sem descarregar imediatamente os impulsos no exterior (muitas vezes em cima dos outros).
Seres impulsivos por natureza, os animais, esses sim, regem-se por instintos vários, mas o Homem é um ser fundamentalmente reflexivo, o que pressupõe essa dita capacidade de pensar sobre as coisas. No entanto, nem sempre acontece e tudo o que é então demasiado difícil de ser guardado e pensado dentro de nós (conflitos, dilemas, receios) é agido. Olhando em redor, nesta época de brandos costumes, dominada pelos impulsos imediatos ou compulsões, segundo uma apologia consumista “daquilo que não pode ficar para depois”, as pessoas agem muito e pensam pouco. Não se pretende ignorar que alguns impulsos humanos conferem cor e sabor à história de alguém e à história da Humanidade mas a dificuldade que aqui se realça diz respeito ao funcionamento sistematicamente (estruturalmente) impulsivo, que nos leva frequentemente pelo caminho errado e, não raras vezes, longe de mais. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O Eu, o Tu e o Nós



Quando crescemos em ambientes de pouca afectividade ou fomos insuficientemente cuidados, tendemos a crescer “coxos”, ou seja, fica a faltar-nos uma estrutura de confiança e amor-próprio suficientes para sermos emocionalmente autónomos. Como consequência, facilmente procuraremos alguém que cuide de nós enquanto adultos, ainda que este movimento seja inconsciente. Por vezes, se o dano for ligeiro, pode encontrar-se um parceiro suficientemente saudável que nos permita sarar quase espontaneamente as falhas das nossas relações precoces. Porém, se o dano for profundo, não só ninguém poderá reparar o que está para trás (nem tem essa obrigação) como nós próprios seremos obstáculo ao bom funcionamento da relação, consoante a sofreguidão com que nos grudamos ao outro.
É vulgar encontrar relações em que um elemento funciona como pai/mãe/bengala/penso-rápido (e por aí fora) do outro. E há muito frequentemente confusão entre isso e algo muito belo (e bem diferente) que se chama “amor”. Podemos então falar de dependência emocional, definindo-a como um padrão persistente de necessidades emocionais insatisfeitas que se tentam suprir de uma forma desadaptada com outras pessoas. Quando precisamos do parceiro para nos sentirmos um ser humano completo, quando toda a nossa vida gira em função de uma relação amorosa, quando não há nada no mundo que mais importe do que isso, é preciso parar para pensar. É aquilo que se entende por um amor fusionado, em que não se percebe onde começa um nem onde acaba o outro. Comunhão, sim, fusão, não.

O que é ser emocionalmente autónomo? Não é não precisar de ninguém pois isso não existe. O ser humano é um ser relacional e a escolha de um parceiro faz parte da condição humana, o lugar onde se coloca o parceiro é que é digno de análise. A relação mais saudável é aquela em que duas pessoas adultas se sentem, per si, completas, mas que, quando se juntam, se transbordam mutuamente e criam algo novo. É poder existir no mundo independentemente da presença constante de alguém ao meu lado. É poder funcionar no dia-a-dia com entusiasmo e confiança mesmo quando estou sozinho. É amar-me. É possuir uma existência, personalidade, vontade, gostos e ideais próprios, e respeitá-los, assim como respeitar/aceitar genuinamente que o meu parceiro possa ser diferente de mim em todos estes aspectos. É permitir que a relação seja um sistema aberto e nunca um sistema fechado sobre si mesmo (senão a relação satura e, sem oxigénio, morre). É existir um Eu, reconhecer um Tu (diferente e separado do Eu), e sentir o Nós como o produto da soma de ambos. 

domingo, 29 de setembro de 2013

Pedrinha (em dia de eleições)

É um mundo deprimido, sem chama nas almas, que impõe/nos impõe lutar pelo progresso – social, individual, do conhecimento e da ventura – e pela transformação num mundo em que seja possível voltar a sonhar com o futuro.
Progresso económico, sim, mas em liberdade, justiça e distribuição.
Com liberdade, continuaremos a caminhada – do progresso e pelo progresso. Porque jamais – assim o queremos, assim o determinamos – nos deixaremos amordaçar! O silêncio conduz à morte da liberdade.


António Coimbra de Matos 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Pedrinha (Da Terapia do Terapeuta)


Nunca me canso de dizer aos jovens terapeutas que a sua ferramenta mais vital são eles próprios, e que, consequentemente, o instrumento tem de estar primorosamente afinado. Os terapeutas necessitam de ter um grande autoconhecimento, de confiar nas suas observações e obrigatoriamente relacionarem-se com os seus clientes de uma maneira atenciosa e profissional. É precisamente por esta razão que a terapia pessoal está (ou deveria estar) na base de todos os programas de ensino terapêutico. Não só acredito que os terapeutas deveriam ter anos de terapia pessoal enquanto se formam, como ainda voltar à terapia à medida que vão evoluindo na vida; à medida que se sentir mais confiante enquanto terapeuta, e quanto mais acreditar nas suas observações e na sua objectividade, mais livre se sentirá para usar, com segurança, os sentimentos que os seus pacientes lhe suscitam.


Irvin D. Yalom in De Olhos Fixos no Sol

domingo, 22 de setembro de 2013

Pedrinha (Do dizer que não)

(…) E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade. 

Virgílio Ferreira


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Pedrinha (Da Humanidade)

"Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana"

Carl Jung

Manifesto


No exercício da parentalidade, todos os dias se encontram histórias de papéis invertidos, trocados ou confundidos entre pais e filhos. São histórias de fronteiras mal definidas entre os lugares de cada um e que boicotam infâncias, embora sem intenção. Nem sempre o equilíbrio familiar é conseguido e a confusão inicia-se, cresce e invade as crianças, surgindo as dificuldades de autonomização e bom desenvolvimento.
Um dos sintomas deste caos familiar é a incapacidade de alguns adultos/pais de se separarem dos seus próprios filhos e a inexistência de fronteiras claras (banhos comuns, camas comuns, falta de privacidade ou intimidade). A obrigatoriedade de partilhar tudo em família, sejam segredos, interesses ou ideologias, amputa a individualidade fundamental de qualquer criança/adolescente. Outro sintoma do caos é quando os pais carregam os seus filhos com confidências e desabafos permanentes, procurando um “colo” para as suas angústias naqueles que deviam estar a recebê-lo. Outro sintoma, ainda, quando pais pretendem ser os “melhores amigos” dos seus filhos em vez de serem apenas aquilo que lhes compete e lhes é pedido, serem pais. Se certas crianças pudessem comunicar sobre aquilo que as rodeia, redigiriam um manuscrito que seria seguramente parecido com isto:

“Pais e Crescidos:

Na descoberta de nós próprios muitas vezes somos confundidos. A individualização é um caminho básico para o bom desenvolvimento: 1) Não queremos partilhar todos os nossos segredos convosco como se fossem os nossos melhores amigos e não queremos igualmente saber dos vossos segredos, fardos ou intimidades. Pai é pai, mãe é mãe, amigo é amigo e “cada macaco no seu galho”; 2) Não nos usem para preencher vazios conjugais. Não podemos nem queremos preencher o lugar do pai ou da mãe e não se iludam pensando que não damos conta; 3) Não nos usem para repetir “abandonos” a que foram sujeitos e não nos usem para descarregar as vossas zangas, frustrações e ansiedades; 4) Se não são suficientemente capazes de tomar conta de vós próprios não deviam tomar conta de mais ninguém, não conseguimos dar-vos o colo que os vossos pais não vos deram nem salvar-vos dos vossos abismos; 5) Precisamos muito de vocês e não podem ser vocês a precisar muito de nós. NOTA: Em boa verdade quando estamos todos misturados dá-nos a ilusão de protecção eterna e até gostaríamos de dormir para sempre no vosso quentinho mas sabemos que nem sempre os nossos desejos são adequados, porque somos pequeninos e, por isso, os bons pais ajudam-nos a separar devagarinho a fantasia da realidade. Não queremos com isto dizer que não façam o melhor que podem ou que sabem. Mas como diz o ditado, de boas intenções está o Inferno cheio.

Obrigado,


As Vossas Crianças.” 

sábado, 1 de junho de 2013

terça-feira, 28 de maio de 2013

Quem pensas que enganas?

Procuramos frequentemente esconder os nossos afectos e emoções. Ocultamos a irritação, disfarçamos a desilusão, camuflamos o ciúme e mascaramos o medo. Escondemos a tristeza, a raiva e mesmo o amor. Por vezes, conscientemente, outras, sem sequer nos apercebermos desse conflito inevitável entre o que sentimos cá dentro e o que queremos (ou que não queremos) passar para fora.
Fazemo-lo por tantos motivos! Pode ser para seguirmos o “politicamente correcto” ou porque não queremos admitir as nossas fragilidades. Porque não queremos criar conflitos ou magoar alguém. Fazemo-lo porque, racionalmente, achamos que não temos legitimidade para sentir certas coisas, ou porque queremos esconder de nós próprios o que sentimos. Não importa aqui o porquê mas importa sobretudo perceber que normalmente falhamos redondamente na nossa intenção de camuflar os nossos afectos. É que os seres humanos são excelentes detectores de “mentiras afectivas” uns nos outros.
Para enganar (ou outro ou a nós próprios) usamos as palavras. Por trás das palavras, usamos racionalizações (raciocínios lógicos). Uma mãe diz que respeita muito a liberdade do seu filho mas de cada vez que ele lhe omite algo íntimo fica sentida por ser posta de lado. Um homem chega a casa e conta que ficou desempregado, ao que a sua mulher responde que tudo se irá resolver mas nos seus gestos seguintes revela todo o medo, ansiedade e falta de confiança no marido. Um filho apresenta um teste com uma nota mais baixa que o costume e a sua mãe diz que não tem importância e que acontece aos melhores mas nos seus olhos está espelhado o desapontamento. Um pai pergunta ao filho como correu o seu dia mas depois, na verdade, não presta a mínima atenção ao que o filho conta quando chega da escola. Em todas estas cenas há uma coisa que é dita e uma outra diferente que é percebida e sentida na relação.
As palavras contêm um significado objectivo e são uma arma de argumentação poderosa nas relações. Só que há algo muito especial e subjectivo nos seres humanos que é mais poderoso do que as palavras: os afectos. Na relação com os outros, essa nossa subjectividade dança com a subjectividade do outro e descobrem-se mutuamente. Chamamos a isto a intersubjectividade na relação, ou seja, “eu sinto o que tu sentes e tu sentes o que eu sinto”.

Há quem esconda bem os afectos. Com mecanismos de defesa muito sólidos. E, por outro lado, também há quem tenha muito pouca capacidade de ler o outro para lá dessas barreiras. Tristeza das tristezas é não vivermos essas danças a dois por não estarmos verdadeiramente em relação com o outro. Numa relação sem comunhão afectiva ficaremos meramente restringidos à troca de palavras, passando-nos ao lado os afectos escondidos e deixando escapar as nuances mais belas das relações humanas.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

domingo, 7 de abril de 2013

A construção da identidade


Não se nasce com uma identidade estática e definida. Parte-se de uma identidade biológica mas não é, contudo, isso que nos limita, na medida em que o nosso programa genético é plástico e permite-nos seguir inúmeras direcções. A construção da identidade é um processo dinâmico e pessoal, cuja base assenta nas primeiras relações afectivas que nos rodeiam mas também no meio sociocultural em que nos inserimos. Como tudo começa?
Durante os primeiros 18 meses de vida, dá-se aquilo a que se chama a identificação imagóico-imagética. O bebé identifica-se com a imagem que os outros significativos lhe reconhecem e lhe transmitem. É uma identificação em espelho: “eu sou aquilo que acham/dizem que eu sou e serei”. Pode originar um desenvolvimento saudável ou, inversamente, patológico, pois o bebé sente e assimila sentimentos, expectativas, crenças, medos e desejos (mesmo os mais inconscientes ou mesmo os mais indesejáveis) que encontra junto daqueles que o cuidam (ou descuidam). Pensa-se que seja a fase mais fundamental para a construção de uma identidade própria.
Entre os 18 e os 30 meses, a construção da identidade passa por um processo de identificação idiomórfica, ou seja, identificamo-nos à nossa própria forma. Por auto-observação. Olhamo-nos e olhamos também para o outro que será mais parecido ou mais diferente de nós, estabelecendo comparações. Começamos a reconhecer-nos como alguém e a percebermo-nos. Nasce também uma identidade sexuada onde percebemos que somos menina ou menino e as diferenças de género subjacentes.
Posto isto, entre os 3 e os 6 anos, numa terceira fase chamada identificação alotriomórfica, a criança passa a identificar-se a um modelo, um objecto de eleição ao qual procura assemelhar-se, alguém que admira e ama. Copia o que vê o seu modelo fazer, pensar, agir, sentir e comunicar. Para o bem e para o mal. Há modelos piores e modelos melhores. Mas importa dizer que mesmo os melhores modelos não serão bons se não nos ajudarem a encontrar o nosso próprio estar e o nosso próprio sentir. Pobre daquele que é apenas uma cópia do outro.
Assim, pensar que a identidade só está estabelecida na idade adulta é um engano, pois as bases começam muito antes. Contudo, certamente que este processo é uma construção contínua, do início ao fim, e as nossas experiências de vida continuarão sempre a moldar-nos. Por isso, aceitar tacitamente que somos produto do que vivemos não será também caminho pois não nos podemos subtrair à responsabilidade que temos nas escolhas que fazemos. A construção de uma identidade será, sobretudo, uma criação própria. Temos capacidade de reflectir e transformar e, como disse um dia Ray Charles, somos os nossos próprios engenheiros.

Nota: Baseado no modelo de construção de identidade de António Coimbra de Matos

Domingo à Janela


quinta-feira, 14 de março de 2013

Existir


Para encontrar a saída siga as indicações.

Pedrinha (Do Tactear)


“É mesmo essencial, para o seu equilíbrio psíquico e para a salutar expansão  da sua personalidade, que o adolescente possa tactear ou encetar vários caminhos antes de verdadeiramente escolher o que melhor corresponde à sua maneira de ser, de sentir o mundo e de perspectivar o futuro. Não lho permitir será amputá-lo para todo o sempre nas suas potencialidades evolutivas.”

António Coimbra de Matos

Sobre outras perspectivas



"What if I should fall right through the center of the earth... Oh, and come out the other side, where people walk upside down? "

 Lewis Carroll in Alice in Wonderland

domingo, 3 de março de 2013

Viver ou Sobreviver?



Nascemos. Num determinado lugar e numa certa família, que não escolhemos. Dão-nos um nome, que também não escolhemos, mas somos donos de um corpo e de uma alma. A nossa alma (ou mente ou psique) permite-nos pensar e sentir, e esse corpo permite-nos concretizar coisas. Chegados aqui, o que fazemos com isso? Que faço eu da minha vida e que pretendo ainda fazer? Dar um sentido à vida é algo que vive na mente de alguns mas não na mente de todos. Perspectivar o passado e planear o futuro, sabendo de onde viemos mas olhando principalmente para onde nos dirigimos é atribuir significado à nossa existência. E é fundamental. O sentido da vida diverge de pessoa para pessoa, de dia para dia e, por vezes, de hora para hora, pois o que interessa, sobretudo, não é um objectivo geral, único e rígido, mas o significado específico que vamos atribuindo ao longo do tempo e dos acontecimentos e que, naturalmente, se modifica e adapta em função do nosso desenvolvimento pessoal.
Em meados do século passado já tínhamos compreendido que os indivíduos que melhor sobreviveram aos campos de concentração durante a II Guerra Mundial (os que ficaram menos debilitados física e psicologicamente) foram maioritariamente aqueles que se agarraram a uma razão para sobreviver e mantiveram em mente uma motivação forte para o conseguirem. Mais recentemente, investigação médica descobriu que um forte sentido de existência (e o bem-estar subjacente a esse sentimento) se correlaciona com uma melhor saúde física e longevidade. E, por fim, chegou-se à Saúde Mental: aqueles que desenvolvem objectivos para a sua vida e que se empenham e comprometem na sua concretização tornam-se pessoas mais felizes e saudáveis. Dar sentido à nossa vida protege-nos da depressão, da ansiedade e mesmo da deterioração cognitiva. Novas evidências científicas sugerem ainda que é uma capacidade essencial para atenuar os sintomas de doenças degenerativas como o Alzheimer, num estudo que tem permitido concluir que aqueles que em vida atribuem mais significado à sua existência e mantêm presente os seus propósitos estão mais protegidos contra este mal.
São aqueles que não se limitam a viver um dia de cada vez sem pensar no futuro, são os que se sentem bem com o que fizeram da sua vida e com o que planeiam fazer futuramente, aplicando-se na concretização dos sonhos, e ainda os que não desistiram desses objectivos com o passar no tempo nem mesmo perante as adversidades. O vazio existencial é uma morte lenta. Sonhar com esperança, planear com entusiamo, concretizar com perseverança. Viver, e nunca apenas sobreviver. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Certeza da Incerteza



Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

Fernando Pessoa, Tabacaria

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Culpas e desculpas



A culpa é um sentimento ligado ao sentido de responsabilidade e à reflexão sobre as consequências dos nossos actos. Para lá da sua definição mais básica, a culpa é um sentimento complexo. É complexo porque existe a culpa dita normal, lógica, mas também uma culpa que pode ser ilógica, logo, patológica. Este último sentimento de culpa implica assumir uma culpa que não nos “pertence”, traduzindo-se num estado constante de angústia e sistemática desvalorização de si mesmo. É deixar-se culpar facilmente pelo outro em situações em que não é suposto, ou mesmo pedir desculpa ainda antes de sermos anunciados culpados. Deve dizer-se que estes fenómenos se passam de forma mais ou menos inconsciente, ou seja, sem alguém que nos ajude a pensar os nossos pensamentos não temos bem noção do que fazemos com os nossos sentimentos de culpa.
Culturalmente, durante muito tempo os indivíduos viveram em sociedades limitadas pela culpa, onde muito era reprimido e pouco era permitido. A culpabilidade é a uma belíssima forma de dominar o outro e o sentimento de culpa é um severo carrasco. Uma pessoa dominada pela culpa fica amarrada ao outro e presa dentro de si mesma. Neste contexto, há mais de cem anos atrás, Freud descreveu o sentimento de culpa como o mais importante problema no desenvolvimento da civilização desse tempo. Os seus pacientes sofriam sobretudo de patologias associadas à grande culpabilidade que sentiam. Reprimidos, não se permitiam ser autênticos, não se permitiam a pensar pela sua cabeça nem a viver os seus afectos. O ser humano tinha muito pouca liberdade de “ser”.
Aos poucos, ao longo do séc. XX, as sociedades foram mudando e a culpa foi abandonando o seu papel tão castrante no desenvolvimento do ser humano. Nesta linha, Jacques Lacan, psicanalista francês do séc. XX, dizia que, em última instância, a única coisa de que podemos realmente sentir-nos culpados é de abrir mão dos nossos desejos. E assim foi. Sedentos de liberdade, fomos dando azo às nossas vontades, cada vez com maior confiança e assertividade. Teremos caído no outro extremo? Hoje, séc. XXI, fala-se muito da falta de limites nos indivíduos (principalmente a propósito das crianças e dos adolescentes). Eventualmente mas não generalizando, há casos de exageros, mas para não cairmos em tentação de voltar aos “regimes” da culpa, queremos escolher um caminho mais adequado. Uma consciência social, relacional, parental, e individual, com a responsabilidade inerente ao bom desenvolvimento psicológico de cada um. Os limites não são impostos só porque sim, é a realidade per si que nos continua a colocar os limites. Seremos sempre movidos pela procura do prazer e da realização individual, mas embatemos todos os dias nas interdições colocadas pela realidade. Esta é, inevitavelmente, a condição humana.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Pedrinha (do Ler, Escrever e Contar)



A partir das minhas investigações sobre o comportamento evolutivo dos bebés, concluí que geneticamente convém chamar leitura ao que cada um observa à sua volta; escrita ao que se regista espontaneamente sobre coisas diversas; contar ao que se vive corporalmente como ordem e quantidade.

 João dos Santos 

Retrato de uma emoção qualquer


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Corpos que Falam o que a Cabeça não Pensa



O drama maior é que em muitas pessoas, e em particular nas crianças, a ansiedade e a tristeza se resolvem por doenças e por comportamentos.

João dos Santos (1980)

domingo, 13 de janeiro de 2013

Contos de Domingo


Corpo e Psique - Definhar e Florescer



"Os estados afectivos persistentes de natureza penosa, ou, como se costuma dizer, 'depressiva', tais como desgosto, a preocupação e a tristeza, abatem a nutrição do corpo como um todo, causam o embranquecimento dos cabelos, fazem a gordura desaparecer e provocam alterações patológicas nas paredes dos vasos sanguíneos. Inversamente, sob a influência de excitações mais alegres, da 'felicidade', vê-se o corpo inteiro desabrochar e a pessoa recuperar muitos sinais de juventude. Evidentemente, os grandes afectos têm muito a ver com a capacidade de resistência às doenças infecciosas; um bom exemplo disso é a observação médica de que a propensão a contrair tifo e disenteria é muito mais significativa nos membros de um exército derrotado do que na situação de vitória. Ademais, os afectos – embora quase que exclusivamente os depressivos – muitas vezes bastam por si mesmos para ocasionar doenças, tanto no tocante aos males do sistema nervoso com alterações anatómicas demonstráveis quanto no que concerne às doenças de outros órgãos." (Freud em "Tratamento Psíquico (ou Anímico)", 1905)

domingo, 6 de janeiro de 2013

Reflexão no Sapatinho (em Dia de Reis)



No Natal passado especulou-se sobre o que estaria para chegar. Continuamos aqui, ainda inteiros, e depois de um ano de dificuldades, penso que podemos pensar sobre o outro lado da moeda, que mostra que estamos humanamente mais “crescidos”. Arriscando dizer que somos hoje menos individualistas, já que nunca como agora houve tanta consciência social. Repare-se no aumento exponencial de movimentos solidários de recolha e distribuição de alimentos, brinquedos, vestuário, livros, e tudo o mais que possa faltar numa casa de família. E não só a nível institucional, mas atitudes solidárias em pequena escala, que nascem do coração de alguns.
Sabemos de famílias que este ano produziram, criativamente, os seus próprios enfeites de Natal, recorrendo a materiais caseiros ou recolhidos na rua, trabalhando afincadamente na exploração de tintas, papéis e tesouras. Tudo o que é feito com as nossas mãos tem cheiro a afectos e com um carinho especial se orgulham dos seus enfeites mais do que de qualquer outro adquirido anteriormente num balcão alheio.
Parece também que todos reduziram a sua lista de presentes, que não só incluía a “prima da vizinha” (tantas vezes só para parecer bem) como também incluía presentes de valor o mais elevado possível (como se o valor fosse espelho do afecto nutrido pelo outro). Hoje procuram-se presentes mais adequados e em quantidade mais adequada. Sobretudo, é o acto de compra impulsiva que perde força este Natal. Pensa-se mais antes de agir. Mais, muitos fazem este ano os seus próprios presentes ao invés de comprar e há ainda quem prefira aderir a iniciativas de pequenos comerciantes ou artesãos. Porque prosperam negócios caseiros, de elevada qualidade e preço acessível, nascidos da necessidade e da criatividade de gente cheia de talento que nunca deu oportunidade a si mesma de pôr mãos ao trabalho e deixar a imaginação voar. Trabalhos de bijuteria, de costura, de culinária, de pintura e experiências a tantos níveis. Artesãos dos tempos de crise que talvez encontrem aqui, este Natal, a semente de uma ideia que venha a germinar no futuro.
Em poucos meses, e embora quase por obrigatoriedade, caiu por terra a atitude excessivamente consumista e passiva que coloriu o Natal dos últimos anos. E, curiosamente, não deixamos de sentir um “espírito natalício” por aí, que agora parece vir mais de dentro para fora e não tanto de fora para dentro. Nem tudo o que nasce no seio de uma crise é necessariamente mau, e assim, começando com um Natal mais humano, quem sabe depois esta postura possa ir entrando devagarinho pelas nossas casas, ensinando-nos um equilíbrio social e económico que poderíamos estar quase a perder de vista. 

Bom ano!


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro,
tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você
que o Ano Novo cochila
e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade