quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Educar a Escola


O Homo Sapiens Sapiens é, precisamente, não só aquele que sabe, mas, aquele que sabe que sabe, e tendo consciência do seu saber, quer saber cada vez mais e melhor. Por isso, a educação e a transmissão dos conhecimentos preocupam a nossa espécie há milhares de anos.

Desde a época de Sócrates, o filósofo, que a educação tem vindo a ser objecto de interesse de estudiosos e curiosos. A primeira pedagogia, aplicada pelos jesuítas, foi designada “método tradicional”. Era um método estruturado e rigoroso, centrado no saber. Neste modelo educativo, quem detinha o conhecimento era o mestre (o professor) e o aluno era encarado como aquele cuja função era (exclusivamente) receber todo o conhecimento que o professor lhe transmitia. Assentava no formalismo, na memorização e na autoridade, e os métodos de ensino restringiam-se à exposição (da matéria) e à interrogação (questões sobre a matéria, a “chamada”). Na sala de aula, o estrado acentuava a distância física e afectiva entre professor e aluno, e as janelas eram colocadas acima do nível dos olhos dos alunos, para não haver contacto com o exterior. E, durante muito tempo, vigorou este acto educativo, fechado em si próprio.

Perante o avanço do conhecimento acerca do desenvolvimento infantil (e do ser humano, em geral), a pedagogia tradicional tornou-se desajustada e foram sendo gradualmente introduzidas alterações no ensino, tanto estruturais como pedagógicas. Fundamentalmente, o professor e o seu saber deixaram de ser o centro do processo educativo. Simbolicamente, o estrado deixou de existir e as janelas foram abertas para o mundo exterior, permitindo um grande enriquecimento humano pelas novas formas de interacção que então se estabeleceram: mais diálogo entre aluno e professor, mais familiaridade entre alunos, mais partilha entre todos. Cá fora, ao ar livre, os alunos passaram a realizar actividades, visitas de estudo ou ginástica. Através da pesquisa, e de uma forma autónoma, o aluno é agente e constrói também o seu conhecimento, privilegiando sempre a actividade lúdica e o uso dos materiais didácticos. Acrescenta-se a dimensão da liberdade e da disciplina desenvolvidas em conjunto, como controlo e resultado uma da outra.

Já percebemos que “educar não é domesticar”, como diz Eduardo Sá. Mas precisamos ainda de um ensino que ouça todas as vozes, que fomente a criatividade e o pensamento divergente, que legitime o direito à diferença e estimule a individualidade de cada um, sem esquecer, evidentemente, a importância do todo em que nos inserimos. E falta-nos, em grande parte, interiorizar que a escola não pode resolver questões, outras, que ultrapassam o ensino. Quando as coisas não estão bem na vida da criança, ela não consegue beneficiar do que a escola tem para oferecer. A cabeça não pode funcionar na sala de aula quando o coração ficou em casa. E os professores, sozinhos, não sabem nem podem resolver problemáticas que os ultrapassam.

O Brincar (Terapêutico e Desenvolutivo)


A criança, portanto, ao criar uma distância através das personificações, representa e maneja fantasmas que de outro modo seriam intoleráveis, domina angústias e antecipa projectos, dá sentido e organiza o próprio mundo interior, metaboliza e ordena os estímulos que lhe chegam do mundo exterior (e interior), aprende a dominar fantasias e impulsos.

Antonino Ferro

Pedrinha (Das infâncias sólidas)


“A saúde mental constrói-se na infância. Os factores posteriores são menos importantes. Uma criança teve perdas de afectos na infância, fez uma depressão infantil que pode ter passado despercebida, estará mais fragilizada na idade adulta e poderá deprimir facilmente. Se teve uma infância sólida aguentará bem as perdas afectivas.”

António Coimbra de Matos

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Marylin, O Mais Belo Fantasma do Mundo


 
"Ninguém podia adivinhar que se tratava de um fantasma. Ela era demasiado bonita para isso, demasiado doce, resplandecente. Uma aparição não tem calor, é um lençol frio, um tecido, uma sombra inquietante. Ela, ela encantava-nos. Devíamos ter desconfiado. Que poder tinha ela para nos fascinar tanto, para nos impressionar e nos levar à nossa maior felicidade? Deixamo-nos cair na armadilha a ponto de não compreendermos que já estava morta havia muito tempo.

Na verdade, Marylin Monroe não estava completamente morta, estava apenas um pouco, às vezes um pouco mais. O seu charme, ao fazer nascer em nós um sentimento delicioso, impedia-nos de compreender que não é necessário estar morto para não viver. Começara a não estar viva desde que nascera. A sua mãe, desumanamente infeliz, expulsa da humanidade por ter trazido ao mundo uma filha ilegítima, estava estupidificada de infelicidade. Um bebé não se pode desenvolver de outra forma que não seja no meio das leis inventadas pelos homens, e a pequena Norma Jean Baker, mesmo antes de nascer, encontrava-se fora da lei. A melancolia que sentia preenchia de tal forma o seu mundo que a mãe não teve força para lhe oferecer uns braços tranquilizadores. Foi necessário colocar a futura Marylin em orfanatos gelados e confiá-la a uma série de famílias de acolhimento entre as quais era difícil aprender a amar.

As crianças sem família não têm tanto valor como as outras. O facto de serem exploradas sexual ou socialmente não pode ser considerado um crime grave, uma vez que estes pequenos seres abandonados não são totalmente crianças verdadeiras. Algumas pessoas pensam assim. Para sobreviver apesar das agressões, a pequena Marylin teve de começar a “imaginar”, a alimentar-se da própria dor, antes de se afundar na melancolia e na loucura da sua mãe. Então, declarou que Clark Gable era o seu verdadeiro pai, e que pertencia a uma família real. Não tinha outra alternativa! Desta forma construía uma identidade vaga, já que, sem sonhos loucos, teria sido forçada a viver num mundo de lama. Quando a realidade morre, o delírio dá origem a uma maré de felicidade. Assim, casou-se com um campeão de basebol para quem cozinhava todas as noites cenouras e ervilhas , cujas cores tanto lhe agradavam.

Em Manhattan, onde tirou cursos de teatro, passou a ser a aluna preferida de Lee Strasberg, que era fascinado pelo seu estranho encanto. Já tinha estado morta muitas vezes. Era necessário estimulá-la bastante para que não se deixasse levar para o mundo dos mortos. Ela hibernava, não saia da cama e já não se lavava. Quando acordava com um beijo, de Arthur Miller, por quem se tornou judia, de John Kennedy ou de Yves Montand, reanimava-se, deslumbrante e afectuosa, e nenhum deles se apercebia de que tinha sido encantado por um fantasma. No entanto, ela dizia-o quando cantava I’m Through With Love. Estando já afastada do mundo dos mortais, refulgente em plena glória, sabia que só lhe restavam três anos de vida antes de oferecer a si própria um último presente: a morte.

Marylin nunca esteve completamente viva, mas nós não o podíamos saber, pois o seu fantasma era tão maravilhoso que nos enfeitiçava."

Boris Cyrulnik in O Murmúrio dos Fantasmas

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Poesia



É fácil trocar as palavras,

Difícil é interpretar os silêncios!

É fácil caminhar lado a lado,
 
Difícil é saber como se encontrar!

É fácil beijar o rosto,

Difícil é chegar ao coração!

É fácil apertar as mãos,

Difícil é reter o calor!

É fácil sentir o amor,

Difícil é conter sua torrente!

Como é por dentro outra pessoa?

Quem é que o saberá sonhar?

A alma de outrem é outro universo

Com que não há comunicação possível,

Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma

Senão da nossa;

As dos outros são olhares,

São gestos, são palavras,

Com a suposição

De qualquer semelhança no fundo.

 

Fernando Pessoa

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A função paterna


 
No princípio são três, mãe, pai e filho. O acto de conceber um filho é da responsabilidade de dois indivíduos e parece que há uma boa razão para que assim seja, fundamentalmente na espécie humana, a mais complexa de todas. Embora hoje muitas crianças cresçam na realidade da monoparentalidade, a investigação psicológica tem demonstrado, de há algumas décadas para cá, a necessidade absoluta e presença insubstituível da figura paterna.

Como se sabe, o nosso equilíbrio emocional e bem-estar psicológico estão completamente relacionados com a qualidade da relação primária, nome atribuído à relação entre mãe e filho, que começa logo durante a gravidez. É esta ligação primordial que nos dá as ferramentas internas para descobrirmos quem somos e conduzirmos a nossa vida com entusiasmo, segurança e responsabilidade. É nessa relação que ganhamos (ou não) o embalo para acreditar, projectar e realizar, bem como para ultrapassar as dores e os dissabores que encontramos pelo caminho.

Contudo, o pai junta-se à díade mãe-filho com uma função igualmente importante para a estruturação psíquica da criança. De certa forma, inicialmente o pai representa a primeira “frustração” introduzida na vida de uma criança: o pai é aquele que “impede” que o filho tenha a mãe exclusivamente para si. Experiência dolorosa, esta, mas necessária para um desenvolvimento saudável. Embora sem essa intenção, um pai permite e prepara, assim, a separação e a autonomia da criança, evitando uma fusão (que não é suposta) entre mãe e filho. Tem uma função separadora mas, ao mesmo tempo, estruturante.

Não fica por aqui, a questão da função paterna. Tal como a mãe, o pai desempenha, também, um importante papel nas interacções com o filho, estimulando e atendendo às suas necessidades básicas (afecto, segurança, alimentação, higiene, brincar e aprender). Alternando com a mãe nestes cuidados, permite à criança conhecer, desde cedo, dois diferentes modelos de relação, um com o pai e outro com a mãe. E nós, espécie inteligente, rapidamente começamos a guardar connosco o melhor de cada um.

Depois, o pai enriquece a identidade de género dos seus filhos, apresentando-se como modelo de admiração ao seu filho-homem e narcisa a feminilidade da sua menina-mulher. Mais. Pai e mãe são o primeiro e mais importante modelo de uma relação amorosa. É através das discórdias entre pai e mãe (se acontecem com respeito e sem depreciação um do outro) que se enriquece a mente da criança, oferecendo-lhe múltiplas perspectivas da realidade. Se o casal lida bem com essas “discussões”, mostra à criança que com liberdade se pode amar alguém que pode ser e pensar de forma diferente de nós.