quinta-feira, 5 de abril de 2012

O perfil da perversão


O que define uma perversão (ou parafilia)? Clinicamente, o que é um indivíduo perverso? Uma perversão pode ser entendida como uma perturbação crónica do comportamento sexual, em que a expressão de uma “pulsão perversa”, de natureza agressiva, é condição necessária para que o sujeito atinja a excitação sexual e o orgasmo. De outra forma, não sente qualquer prazer, pois o prazer não está ligado aos afectos, às relações humanas ou à intimidade. Podemos talvez dizer que, no mundo interno do sujeito, a sexualidade e a agressividade estão “confundidas”, estando essas experiências sexuais muito aquém daquilo que é verdadeiramente uma sexualidade adulta.

Uma das características básicas do perverso é a ausência de consideração pelo outro, este só serve ao perverso para descarga (sexual e agressiva). Esta instrumentalização/desumanização do outro implica não tomar em conta a sua vontade e o seu desejo; aliás, quanto mais o perverso desvia o outro das suas práticas habituais, mais gratificante se torna o acto. Assim, a sexualidade é um acto solitário, maioritariamente masturbatório, já que, incapaz de vivenciar a intimidade, não existe a ligação ao outro.

Verifica-se com frequência que, na história do perverso, entre mãe e criança o vínculo foi agressivo, e não de amor. Diz-se que a perversão é a patologia do ódio, porque o vínculo com o objecto primário é um vínculo de ódio. Para Stoller, a perversão é uma forma erótica de ódio, em que o meio utilizado para descarregar esse ódio é a humilhação e agressão do outro (representando esses comportamentos o ódio inconsciente ao objecto materno). Para além disto, há no perverso uma ferida narcísica (ou seja, inconscientemente, o sujeito não se ama a si mesmo, sentindo-se inferior) fundamental para a compreensão desta patologia. Tendo por base um vínculo de ódio, a relação básica entre mãe e filho falhou e este foi maciçamente desnarcisado – foi rejeitado/mal-amado. Essa desvalorização primária a que foi exposto faz com que o perverso, enquanto adulto, humilhe o outro, vingando-se pelo ataque como forma de reconstruir o seu próprio narcisismo.

Há várias manifestações de perversões, sendo as mais faladas, o sado-masoquismo, o exibicionismo, o fetichismo, o voyerismo e os abusos sexuais (incluindo a pedofilia). Contudo, qualquer comportamento sentido como um desvio sexual, poderá (ou não) ser uma perversão, dependendo da situação. Importa dizer que, para se estabelecer o conceito do que é um desvio, é preciso uma fundamentação a respeito da normalidade. O que distingue, na prática, uma sexualidade “normal” de uma sexualidade perturbada? Pergunta difícil, pois as considerações de normalidade e convencionalidade são afectas ao tempo e aos costumes. Contudo, sabemos que há limites intemporais à nossa expressão sexual, nomeadamente, o dever de respeitar a vontade e a liberdade do próximo.


4 comentários:

  1. Gostei do seu artigo , bem sintético e direto, e gostaria se possível ver um segundo relacionado, que divagasse sobre a as possibilidades ou não do convívio como o perverso.
    Obrigado

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    1. Lamentavelmente deixei escapar este comentário sem resposta. É um tema interessante. Grosso modo, diria que o convívio social com perverso é perfeitamente possível. Estão por todo o lado, na verdade! Por outro lado, o convívio íntimo com o perverso torna-se mais complicado. Aliás, para o perverso não há intimidade, pois não há relação com o outro. O outro é um instrumento. Penso que o único parceiro que aguenta o perverso é, provavelmente, o masoquista. Cumprimentos. Sofia Pracana

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    2. se o perverso reconhecer a sua personalidade não é possivel uma flexibilização do quadro?

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    3. Sendo a perversão uma perturbação da personalidade, a consciência disso é por si só um excelente prognóstico. Imagino que sim, que com psicoterapia psicanalítica ou psicanálise, de longa duração, possa abordar as raízes da sua perversão, compreender-se, aprender uma nova forma de estar com o outro nessa relação terapêutica e talvez transformar a objectificação do outro numa relação de ordem verdadeiramente afectiva.

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