sexta-feira, 27 de maio de 2011

A mentira do poder (I)


"O único poder é o de tolerar a dúvida e prosseguir apesar da incerteza – com esperança no futuro e desafiando os obstáculos ao almejado encontro da verdade, beleza e bondade: efémeras; em plenitude, inatingíveis; mas sempre desejadas.  Que o desejo é o propulsor da vida; e a felicidade, o bem supremo.
 (...)

A principal mentira do poder é que o poder, em geral, serve para pouco: bazófias, espectáculo e corrupção.
Senão, vejamos:
A maioria das vezes, o poder é uma defesa; ou melhor, uma vicarância: substitui a falha ou falência de outros sistemas ou funções. Assim, o poder defende do medo, troca a insuficiência do ser pela aquisição do ter, engana a dor mental, é vicário da debilidade amorosa.
O poder é filho bastardo da obsessão; e a posse, do ciúme. E descendente legítimo da paranóia e da inveja.
A incompletude narcísica é a mãe “biológica” da megalomania; e adoptiva da ambição desmedida.
O narcisista puxa o brilho porque o cabedal não presta (...) A vicariância pelo poder é atributo da pusilanimidade – a alma pequena precisa de estacas que a sustentem e lanças para se proteger; é a “psicologia do ouriço”.
É que afinal o poder não dá força – força da alma, coragem; apenas estatuto – uma pseudo-força de empréstimo (...) "

António Coimbra de Matos (in O poder da mentira e a mentira do poder)

A mentira do poder (II)


Vicariância pelo poder: “Ninguém me ama mas domino todos”. Ter poder e dominar porque não se é desejado nem amado. Ser poderoso para iludir a ferida de ser, de facto, um Zé Ninguém. (Abunda nos ditadores de todas as espécies, feitios e graus). É o “poder da portinhola” – por onde sai a boca do canhão escondido.
Vicariância erótica: “Ninguém me ama mas todos me desejam”. Erotização das relações por incapacidade de amar; e/ou ser desejado, já que não é amado. É própria da personalidade histérica.
Vicariância narcísea: “Ninguém me ama mas todos me admiram”. Ser admirado uma vez que não consegue ser amado; e, complementarrmente, brilhar/exibir-se porque não sabe dar e amar. É típica da personalidade narcísica.
Todas elas usam como mecanismo central a compensação de uma energia em perda; são próteses – artificiais e artificiosas – que substituem, e mal, poderes naturais em falta. O poder que não seja a construção e a reparação de poderes ausentes ou perdidos é um artefacto da miséria da alma – uma mentira, um produto da perversão.

António Coimbra de Matos (in O poder da mentira e a mentira do poder)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Pedrinha (Do fogo)

Não podemos despertar fogo em qualquer outro coração se o nosso próprio coração não estiver a arder.
Eleanor Doan

terça-feira, 24 de maio de 2011

O toque (História de Harlow e os macaquinhos)


Somos seres relacionais. Como tal, o toque e o contacto físico são duas dimensões fundamentais para um desenvolvimento harmonioso.
Harry F. Harlow (1905-1981), psicólogo norte-americano, levou a cabo uma série de experiências com macacos Rhesus sobre a privação maternal e social. Nessas experiências, ficou demonstrada, entre outras coisas, a importância central do toque e do conforto no processo de desenvolvimento.
Foram criadas duas “mães” artificiais, uma feita unicamente com armação de arame e outra que, para além da estrutura em arame, estava envolvida num tecido felpudo e macio. Numa primeira fase, observando a escolha dos macacos, Harlow constatou que os macacos bebés preferiam claramente as “mães” mais macias. Mais, mesmo quando o alimento era fornecido apenas pela “mãe” de arame, mantinha-se a preferência pela “mãe” macia. Harlow concluiu que a variável contacto reconfortante suplementava a variável amamentação.
E, aparentemente, o que estava em causa ia ainda além da procura de conforto. Esse contacto acolhedor parecia ser essencial ao estabelecimento de uma relação que transmitisse segurança. Ou seja, durante outro bloco de experiências, na presença de um estímulo gerador de medo, os macaquinhos criados com a “mãe” macia agarravam-se a ela, em busca de protecção. Este comportamento nunca era observado junto das “mães” de arame (os macaquinhos criados com ela, privados do contacto e do conforto, não sentiam a mãe como “porto de abrigo”).
Foram estudadas não apenas as reacções momentâneas, mas também processo o desenvolvimento em ambos os grupos de macacos (criados pela mãe de arame vs. criados com a mãe felpuda). Neste sentido, perante uma situação com muitos estímulos novos (factores estranhos e desconhecidos dos pequenos macaquinhos) verificou-se que, na presença da “mãe” confortável, as reacções de medo dos macacos rapidamente davam lugar à exploração curiosa dos objectos (claro, com regressos periódicos à “mãe” para recuperar a segurança). Possuiam a segurança interna necessária para lhes ser possível explorar o mundo, um factor essencial para o desenvolvimento da autonomia (não só nos macacos!). Pelo contrário, na ausência de uma “mãe” confortável, os macaquinhos ficavam paralisados pelo medo e não exploravam o ambiente.
Por fim, naturalmente, Harlow observou ainda que os macacos com mães reais, demonstravam comportamentos evolutivos (sociais e sexuais) mais adiantados dos que os criados com mães substitutas de pano. Sim, nunca a pele poderá ser substituída pelo pano. E nos panos não se sente amor…!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Pedrinha (Da nossa casa)

A casa não é bem um espaço. Nem um conjunto de recantos, de histórias ou de aconchegos. Nem sequer o nosso mundo. A nossa casa fica no coração que (sobre as suas divisões) nos guarda a melhor de todas as mansardas.

Eduardo Sá

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Criatividade


“Ao contrário de Proust, o criador não vai “à procura do tempo perdido”; mas, sim, do tempo a ganhar, da novidade, o que há-de vir. Esperançoso (e não, saudoso), o criador vai à procura de outra coisa, de uma coisa diferente. Em busca do novo, se não o encontra, inventa-o, cria-o. Não senão antes, o ter imaginado.”

António Coimbra de Matos (in Alocução de Abertura do 3º Encontro da AP – Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica – intitulado Criatividade)

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Coisas Boas

Pedrinha (Dos olhares)

Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta.

Carl Jung

(e, acrescento, ao olharmos para dentro e para fora, sonharemos sonhos mais genuínos, genuinamente nossos)

Medos e desamparos


O medo é uma das principais forças motivadoras da conduta humana. É biológico, um mecanismo de defesa e protecção, relacionado com o instinto de conservação. Na maioria dos casos não é patológico. Representa uma vantagem altamente adaptativa, que não advém de lacunas da natureza humana mas sim da existência de um sistema de alarme, essencial para a preservação da espécie. 
A maioria das crianças, desde os seus primeiros anos de vida, é atormentada por medos, específicos da idade e de carácter passageiro. Existem medos considerados básicos. Verifica-se que ao longo do desenvolvimento infantil as crianças não são sempre atormentadas pelos mesmos medos, havendo uma evolução dos mesmos. Os medos mais comuns referem-se a catástrofes, tempestades, animais, escuro, bem como fantasmas e bruxas. Um pouco mais tarde, em idade escolar, intensificam-se os medos de danos físicos (dor) e do ridículo. Por fim, na pré-adolescência (entre os 9 e os 12 anos) surgem os medos relativos a conflitos com os pais, rendimento escolar, doenças e acidentes.
Transversal a uma série de faixas etárias, existe um medo que muito aflige os pais (mas ainda mais as crianças), o medo das separações. De facto, nem sempre é fácil para a criança separar-se de quem ama. Por vezes, é um verdadeiro pesadelo. A ansiedade de separação é, provavelmente, uma das perturbações mais comuns em crianças (e tantas outras vezes em adultos…!). A característica essencial é um nível excessivo de ansiedade, incontrolável, perante um afastamento de casa ou das pessoas com quem possui um forte vínculo afectivo, normalmente a mãe.
Embora alguma ansiedade de separação não seja um sinal de patologia emocional, poderá, em alguns casos, comprometer a adaptação e o desenvolvimento da criança. Nestas circunstâncias, aplica-se um diagnóstico de Perturbação de Ansiedade de Separação (nomeadamente quando a criança apresenta sofrimento significativo ou algum prejuízo social, escolar ou de outra área importante da sua vida). A perturbação revela-se quando a ansiedade extrema a impede de levar um quotidiano normal, chegando a sentir-se doente (febre, diarreia, vómitos) perante a angústia de estar longe de casa ou quando a pessoa de maior vínculo afectivo está ausente. Outros sintomas incluem preocupação exagerada com algo de mal que possa acontecer a si própria ou aos pais, recusa em ir à escola, em ficar em casa de amigos, participar em excursões, relutância em dormir sozinha ou longe dos pais e ainda a ocorrência frequente de pesadelos. Neste caso, impera a necessidade de uma compreensão profunda das causas desta angústia, para que não seja comprometido o desenvolvimento saudável da criança e para que ela possa crescer em autonomia, na ausência das figuras securizantes.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Pedrinha (Do amor na empatia)

A capacidade de amar, na espécie humana, cresce exponencialmente em função da empatia - possibilidade de colocar-se no lugar do outro e entrar em ressonância com o seu sentir.

António Coimbra de Matos


Nota: Empatia  - “Eu sinto o que tu sentes e tu sentes que eu sinto o que tu sentes”