sábado, 23 de outubro de 2010

O complexo de Caim


É do conhecimento geral que uma grande quantidade de crianças não reage bem à chegada de um irmão. O psicanalista Charles Baudoin designou esta reacção de Complexo de Caim, devido à história bíblica (Génesis, 4) dos filhos de Adão e Eva. Caim, primeiro filho do casal, louco de ciúmes por o Senhor ter preferido a oferenda do seu irmão Abel, mata-o. Embora o ciúme seja o sentimento central, o complexo inclui ainda a presença da inveja, da raiva, da tristeza, do medo e da dúvida. Em termos comportamentais, este processo traduz-se geralmente por:
  • Agressões sobre o bebé, sobre a mãe, sobre si mesmo ou sobre outras crianças;
  • Regressão ou paragem no desenvolvimento, nomeadamente voltar a usar chucha, voltar a fazer chichi na fralda ou demorar mais tempo a largá-la ou, em crianças de idade escolar, falar à bebé, deixar de progredir na escola e voltar a fazer chichi na cama;
  • Perturbações do sono ou da alimentação, que se traduzem no aumento/surgimento de pesadelos ou terrores nocturnos, no sonambulismo, na recusa em comer (em casos extremos, anorexia e bulimia);
  • Doenças ou dores inventadas/imaginadas pelas crianças para chamar a atenção dos progenitores;
  • Isolamento da criança;
  • Formação reactiva, mecanismo em que a criança se torna subitamente muito adulta e generosa;
Qualquer uma destas reacções comportamentais, embora tenham como objectivo primário a chamada de atenção dos pais, não devem ser desvalorizadas pelos mesmos, visto reflectirem um sofrimento real da criança. A melhor forma de minimizar o sofrimento do filho primogénito começa por evitar, ou pelo menos preparar convenientemente, mudanças dramáticas na vida da criança, nomeadamente a nível de horários e outros hábitos familiares já estabelecidos. Também uma boa relação com o pai favorece uma melhor adaptação, tendo em conta o compreensível desdobramento materno. Não é aconselhável aumentar demasiado o grau de responsabilidades e de exigência para com a criança mais velha, sendo no entanto possível, se for da sua vontade, colaborar em tarefas novas relativas ao irmão. E, sobretudo, minimizar o máximo possível as discrepâncias na atenção fornecida às duas crianças, tentando transmitir sempre que o amor sentido pelo primeiro filho não diminuiu com a chegada de um novo elemento.

Referência: Otília Monteiro Fernandes (2005). Ser único ou ser irmão. Oficina do Livro.

Sem comentários:

Enviar um comentário