domingo, 26 de dezembro de 2010

Doença Crónica


Uma criança doente vive as suas tarefas de desenvolvimento num patamar de exigência muito superior ao de uma criança saudável. O funcionamento familiar ressente-se também. A doença crónica é geralmente um factor de stress que afecta o desenvolvimento normal da criança e que atinge as relações sociais dentro do sistema familiar.
 Como se define uma doença crónica? É uma doença de curso prolongado, com evolução gradual dos sintomas e com aspectos multidimensionais, potencialmente incapacitante, que afecta, de forma prolongada, as funções psicológica, fisiológica ou anatómica. No leque das doenças crónicas estão incluídas doenças orgânicas (diabetes, fibrose cística, cardiopatias congénitas, insuficiência renal crónica, cancro, hemofilia, SIDA, entre outras), deficiências físicas (deformações ou falta de algum membro do corpo, deficiência visual e auditiva, entre outras), doenças neurológicas (epilepsia, paralisia cerebral, entre outras), doenças psicossomáticas (asma, obesidade, entre outras) e ainda algumas doenças mentais.
Uma criança doente exige cuidados especiais e rotinas exigentes. No que respeita aos pais, todo o stress aliado aos tratamentos ou cuidados paliativos e ainda os receios naturais que uma doença implica, conduz a papéis parentais muito mais exigentes. E, naturalmente, os pais sentem isso. Contudo, é importante que sejam sempre encorajados, desde cedo, a participar nas rotinas de cuidados com a criança.
Encontra-se frequentemente um isolamento social da família, situação que pode deixar a criança doente ainda mais vulnerável a perturbações emocionais, podendo contribuir para perpetuar o estigma da doença e criar dificuldades na forma de lidar com ela. Por isso, o papel da família como elemento atenuante dos efeitos negativos da doença é fundamental, sendo essencial proporcionar à criança um ambiente facilitador do envolvimento em actividades sociais.
Mais ainda. Quanto melhor a rede de apoio social da família, menor a sensação se stress vivida pela mesma. O suporte social recebido pelos progenitores da criança (família, amigos, profissionais de saúde e existência de recursos na sociedade) é essencial para o bem-estar da criança, visto que diminui os níveis de stress dos pais, possibilitando, consequentemente, uma vinculação mais adequada com seu filho.
Nos casos de doença crónica exige-se uma abordagem multidisciplinar, que envolva não só os seus aspectos clínicos, mas também as vertentes psicológica e social, quer em relação à criança, quer no apoio à família. Exige-se também que os recursos e apoios sociais existam e sejam acessíveis para que se minimize o impacto da doença nas famílias. E, já agora, exige-se a prevenção, sempre que possível. Quão longe estaremos disso?

Pedrinha (Do amor e do ódio)


“Amor e ódio são cornos da mesma cabra.“
(Albano Moreira da Silva)









[No extremo oposto ao amor não encontramos raiva, mas sim indiferença.]

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Pedrinha (Dos vôos)

"-Era como se ele me cortasse as pernas e depois me mandasse correr..!"
"-Mas isso era só porque ele sabia que tu podes voar!"
(Cacica, 2005)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Mudanças


De que forma a nossa infância influencia quem somos e como funcionamos? Influencia muito. Durante o percurso de vida, vamos sendo condicionados por acontecimentos e vivências, que nos conduzem por determinados caminhos. Contudo, há um molde inicial que se constrói desde os primeiros momentos e que formata os nossos comportamentos, atitudes e valores de forma bem vincada.
O objectivo de compreender as raízes do nosso funcionamento vai muito além de procurar um bode expiatório para o sofrimento humano. Durante uma análise ou outra terapia, procura-se compreender para transformar e nunca, jamais, compreender para acusar e julgar. Através da compreensão dos porquês surge a capacidade de transformar certos padrões de funcionamento, ciclicamente repetidos.
Por norma, qualquer mãe-ou-pai-digno-desse-nome faz o seu melhor e, quando age, age na melhor das intenções. No entanto, criar uma criança é uma tarefa árdua. E aceitar a falibilidade humana é tarefa crucial para o desenvolvimento emocional (a nossa e a dos outros). Em acréscimo, cada progenitor traz também consigo uma bagagem emocional, legado dos seus próprios pais e das suas vivências, que condicionaram igualmente a sua personalidade e funcionamento perante os filhos. Estamos perante um fenómeno transgeracional. Sim, a nossa família molda-nos. E molda-nos a vida emocional, molda-nos a vida profissional, molda-nos a vida familiar…! Molda o nosso pensamento, as nossas acções, reacções e relações.
“Então, os meus pais (ou educadores, outros) tiveram influência na minha personalidade? E também na minha forma de encarar a vida? E já agora, porque fracassam todas as minhas relações amorosas?! Porque sou assim? Será que o problema é meu ou será que escolho as pessoas erradas?” Ora, que boas perguntas! Sim, o meio familiar (com todas as suas variáveis) influencia garantidamente a personalidade. Sim, condiciona a nossa forma de olhar a vida (e o mundo). E sobre as relações, muito mais se pode descobrir, pois num sistema (nós e o outro) não só existem as nossas características como também as características do outro. Um verdadeiro cocktail...! Poderá, sim, haver uma falha na forma de se relacionar com o parceiro. Poderá, sim, por outro lado, haver uma escolha viciada e inconsciente de pessoas problemáticas (problemáticas na relação connosco e não necessariamente problemáticas "de fundo") como parceiro. Poderá ainda haver um bloqueio na relação em função do choque de personalidades, choque esse que eventualmente se ultrapassa se ambas as partes reconhecerem a raiz dos conflitos e a trabalharem, bem como trabalharem na sua evolução pessoal. Ou então não se ultrapassa, mas pelo menos o indivíduo fica a perceber porque falhou a relação e seguramente aprenderá algo útil à sua próxima escolha. Quanto melhor nos conhecermos, mais fácil ser feliz.
Com ajuda, em terapia, tudo isso se trabalha. Tudo se muda, tudo se transforma. De dia para dia. E se falar numa mudança absoluta é algo utópico, uma mudança suficiente é perfeitamente alcançável. Começa com um exercício conjunto de descoberta dos padrões de funcionamento. Fazem-se as pazes com o passado, quando necessário. Depois do entendimento, um novo exercício, algumas vezes penoso e prolongado, de tentar contrariar e modificar a questão problemática.
Iniciar uma terapia não implica doença mental. A existência de um sofrimento ou limitação é motivo suficiente para procurar a mudança. Ter a capacidade de reconhecer que uma ou mais áreas da nossa vida não estão a fluir como deveriam, procurar compreender as causas e as perspectivas de mudança, demonstra inteligência e capacidade de insight. Há quem diga que viemos ao mundo para sofrer. Não é um bom princípio. Se a nossa evolução pessoal nos trouxer menos sofrimento, porque não?

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Pedrinha (Da trilogia do sucesso)

Amor, determinação, acção – eis a trilogia do sucesso. Não fora o Homem um bicho extraordinariamente emotivo e relacional (de inteligência social), neofílico – interessado nos acontecimentos que decorrem no seu largo mundo –, poiético (sonhador) e construtor, o autêntico Arquitecto Supremo de que os maçons falam.

António Coimbra de Matos (Comunicação de abertura do Seminário Amor em Tempos de Inverno, Outubro 2010)

Coisas Boas

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Pedrinha (Das eternas interrogações)


"São precisamente as perguntas para as quais não há resposta que marcam os limites das possibilidades humanas e traçam as fronteiras da nossa existência."
Milan Kundera (in A Insustentável Leveza do Ser)

As crianças que vêm do frio



Numa carta, dois pais escrevem: “Primeiro, há uma certa estranheza, que chega aos poucos e acaba por se instalar como um mau presságio. A nossa criança está ali, linda e perfeita como a sonhámos, ao mesmo tempo não está bem ali. Parece estar noutro sítio, os olhos olham outro mundo que nos escapa, a fala tropeça em repetições obsessivas que lhe atrapalham o sentido.” (in Eu sinto um tormento com a ideia do fim definitivo).
O autismo, essa perturbação sobre a qual se sabe muita coisa mas parece ainda pouco se sabe. Uma patologia tão grave e tão precoce que nunca será totalmente eliminada. Não há consenso. Várias causas são apontadas como origem da perturbação autista e as manifestações são igualmente variáveis de caso para caso, assim como as perspectivas evolutivas. Como tal, preferimos falar num espectro do autismo ao invés de simplesmente autismo.
Em qualquer dos casos, é sempre assustador. Pela sensação de impotência que despoleta nos outros e pelo prognóstico sempre reservado para estas crianças. Não obstante as nuances de indivíduo para indivíduo, são descritas como crianças que não reagem aos estímulos como as outras crianças, quer sejam sonoros, quer sejam visuais. Uma perturbação por vezes silenciosa quando estes meninos não incomodam os adultos e apenas quando nos relacionamos com eles, verificamos, então, que falta qualquer coisa. Fecham-se num sistema solitário, repetem-se, incessantemente, podendo ganhar movimentos estereotipados. Há uma ausência de movimentos de antecipação e não há um diálogo corporal com a mãe. Não há procura. Mas por vezes, acessos de raiva explodem, mortificando as mães desorientadas com o caos emocional do seu filho.
Existe uma falta de interesse aparente pelos outros, o olhar é diferente, baço, não expressa nem dialoga. Há uma ausência de sorriso, e simultaneamente uma ausência de angústia, face à mãe ou face ao estranho. A indiferença. Têm uma insónia calma, acordam e não gritam. Não têm actividade conjunta e não brincam em conjunto. Não são capazes de fazer de conta. Não usam os objectos com a finalidade que eles têm. No entanto, alguns demonstram uma habilidade especialmente desenvolvida como a pintura, a memória, o desenho, que espantam e deliciam quem os conhece. Estas crianças necessitam de uma relação de objecto (um vínculo privilegiado com alguém que cuida deles, habitualmente, a mãe) mas em relação a este objecto há uma indistinção, tanto lhes faz quem seja.
A relação com uma criança autista é uma relação frustrante, dá-se sem receber. No entanto, pequenas pérolas de comunicação surgem por vezes, e daí advém a força que leva a continuar. Para promover e facilitar a comunicação hoje há também terapêuticas de mediação com a água, técnicas com espelho, e outros tipos de intervenções corporais, bem como a hipoterapia, golfinhoterapia e terapias da música e da dança e, ainda, a psicomotricidade e os benefícios da prática da escalada. Quem sabe o tempo e o conhecimento um dia quebrem o gelo?

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Pedrinha


Brincar e cuidar são as actividades de topo da hierarquia comportamental espontânea e afectivo-relacional; (...)
O trabalho surge-nos como imperativo categórico – racional e ético – para sustentar o lúdico (...). Sem trabalho, não há fundos nem para o gozo nem para a assistência.
E o amor? Esse enlaça tudo: está no começo, no percurso e no destino. É o segredo: da alegria e da felicidade. Portanto, amar – não “amar loucamente”, como dizia Florbela Espanca – mas amar mais e melhor; e sempre.

António Coimbra de Matos (Comunicação de abertura do Seminário Amor em Tempos de Inverno, Outubro 2010)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Terapia


In Treatment (Terapia, em Portugal) é uma série de televisão americana, do canal HBO, vencedora de um Globo de Ouro e dois Emmys. Produzida por Rodrigo García Barcha, narra a vida de um psicoterapeuta, o Dr. Paul Weston, e suas sessões semanais com vários pacientes, incluindo uma com o seu próprio terapeuta no final da semana.

Interessante, inteligente e abrilhantada pelo fabuloso Gabriel Byrne.

Fica o link (legendas em português do Brasil) para quem não gosta de esperar pela semana seguinte ou para quem queira acompanhar desde a primeira temporada.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Pedrinha (Das mudanças)

Muda que quando a gente muda o mundo muda com a gente, a gente muda o mundo na mudança da mente.
(Gabriel, o Pensador)

Jingle Bells


Não há tempo para essas coisas. Os dias passam em alta velocidade e o stress domina a alma e o pensamento. Sim, nas sociedades ocidentais, a religião e as práticas religiosas foram gradualmente deixadas no esquecimento, acompanhando a tendência evolutiva para reflectir cada vez menos e agir cada vez mais. As directrizes religiosas e os pressupostos cristãos, transmitidos de geração em geração, vão sendo sucessivamente cada vez mais questionados e postos em causa pelas gerações actuais.
Estamos no Natal. “Mas porque é que o Natal é uma festa?”, pergunta-me uma criança, muito recentemente. Voilà…! O Natal foi perdendo o seu sentido original, como tanto se tem discutido nos últimos tempos. E tem-se discutido com razão. O Pai Natal tomou, quase por absoluto, o lugar do menino Jesus, pelo menos para a maioria das crianças nascidas no século XXI, tornando-se o símbolo moderno do Natal. (Quantos presépios terão, ao longo dos anos, sido arrumados num qualquer pequeno armário?)
Por outro lado, há ainda uma minoria, quiçá significativa, que, no seu quotidiano, não perde de vista as reflexões de ordem espiritual e a análise da sua vida e do seu comportamento à luz da doutrina religiosa ou de outra ordem. E saiba-se que vários estudos evidenciam que, de um modo geral, sujeitos que se envolvem com a vida e actividades religiosas ou de cariz espiritual, apresentam maior bem-estar psicológico e menor prevalência de depressão, de uso, abuso ou dependência de substâncias e de ideias e comportamentos suicidas.
Várias hipóteses têm sido colocadas e investigadas tentando entender e explicar como é que a religiosidade e a espiritualidade influenciam positivamente a saúde mental. É possível que um conjunto de factores distintos actue sinergicamente, tais como, a existência de um sistema de crenças que atribui um sentido à vida e também ao sofrimento, o apoio social obtido no seio dos grupos religiosos e o incentivo a comportamentos saudáveis, regras e valores referentes a estilos de vida potenciadores da saúde, física e mental. Mais, a ideia basilar de que não estamos sozinhos minimiza a sensação de solidão.
Naturalmente, a religião não se impõe a ninguém. Adicionalmente, as doutrinas de cariz espiritual são um tema polémico. Contudo, o importante é não parar de pensar. Pensar estimula corpo e mente e o pensamento estreito é grande inimigo do desenvolvimento humano. Estamos, historicamente, numa época do ano propícia a reflexões. Vamos parar e pensar um pouco, então.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Felizes os que sonham



História dos dois que sonharam”
                                                                                             Jorge Luis Borges, 1975
O historiador árabe El Ixaqui conta este facto: 
"Dizem os homens dignos de fé que houve no Cairo um homem muito rico, mas tão magnânimo e liberal que perdeu todas as riquezas, menos a casa do seu pai, e viu-se forçado a trabalhar para ter o que comer. Trabalhou tanto que o sono, certa noite, venceu-o debaixo de uma figueira do jardim, e no sonho viu um homem gordo que tirou da boca uma moeda de ouro e lhe disse: “Tua fortuna está na Pérsia, em Isfajan, vai buscá-la.”
Na madrugada seguinte ele acordou e empreendeu a longa viagem e enfrentou os perigos do deserto, dos navios, dos piratas, dos idólatras, dos rios, das feras e dos homens. Chegou por fim a Isfajan, mas no centro dessa cidade foi surpreendido pela noite e estendeu-se a dormir no pátio de uma mesquita. Junto da mesquita havia uma casa e, por vontade de Deus omnipotente, um bando de ladrões atravessou a mesquita e depois a casa, e as pessoas que dormiam despertaram com o barulho dos ladrões e pediram socorro. Os vizinhos também gritaram, até que o capitão da guarda nocturna daquele distrito acudiu com seus homens e os bandidos fugiram pelo terraço. O capitão mandou investigar a mesquita e nela, deram com o homem do Cairo. Aplicaram-lhe tantos golpes com varas de bambu que ele andou perto da morte. Dois dias depois recuperou os sentidos na prisão. O capitão mandou chamá-lo e disse-lhe: “Quem és e qual a tua pátria?” O outro declarou: “Sou da famosa cidade do Cairo e o meu nome é Mohamed El Magrebi”. O capitão perguntou: “Que te trouxe à Pérsia?”. O outro decidiu-se pela verdade e afirmou: “Um homem ordenou-me, num sonho, que eu viesse a Isfajan, porque aqui estava minha fortuna. Já estou em Isfajan e vejo que essa fortuna que prometeu deve ser os açoites que tão generosamente me deste”.
            Diante de tais palavras, o capitão riu até mostrar os dentes do siso e acabou por dizer-lhe: “Homem desatinado e ingénuo, três vezes eu sonhei com uma casa na cidade do Cairo em cujo fundo existe um jardim e no jardim um relógio de sol e depois do relógio, uma figueira e depois da figueira uma fonte e debaixo da fonte um tesouro. Não dei o menor crédito a essa mentira. Tu, entretanto, filho duma mula com um demónio, erraste de cidade em cidade, guiado apenas pela fé do teu sonho. Que eu não te volte a ver em Isfajan. Toma essas moedas e vai-te.”
            O homem pegou nas moedas e regressou à pátria. Debaixo da fonte do seu jardim (que era o do sonho do capitão) desenterrou o tesouro. Assim Deus o abençoou e o recompensou e exaltou. Deus é o Generoso, o Oculto”.

(Do livro das 1001 noites, noite 351)

sábado, 4 de dezembro de 2010

Os Tom Sawyers



Fala-se muito de hiperactividade. É uma perturbação do comportamento, de origem neurológica (mas com contornos difusos) que interfere com a vida familiar, escolar e social de um elevado número de crianças. Contudo, a hiperactividade passou também a representar um belíssimo bode expiatório no caso de muitas crianças enérgicas e agitadas ou simplesmente malcomportadas. Falemos da criança hiperactiva, mas não dessa criança convenientemente designada hiperactiva porque se mexe demais, fala demais e incomoda demais. Falemos, sim, da criança que vive a realidade da Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção.
É uma perturbação que se reflecte essencialmente em comportamentos que poderiam ser encarados como normais numa criança se não fosse o exagero na sua frequência, intensidade e inoportunidade. Primeiramente, caracteriza-se pela dificuldade em manter a ATENÇÃO durante muito tempo. Há uma extrema dificuldade em atingir a concentração necessária para realizar determinadas tarefas, escolares ou quotidianas, assim como um nível de empenho muito baixo. Como tal, as tarefas a que se propõe raramente são concluídas. Segue-se a IMPULSIVIDADE manifestada no agir sem pensar nas consequências. Depois, também, a HIPERACTIVIDADE propriamente dita, ou seja, o excesso de actividade motora e incapacidade de estar quieta em qualquer circunstância. Consequentemente, surgem as DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM, que decorrem naturalmente da difícil manutenção da atenção e da inquietação motora. DESOBEDIÊNCIA, pois para além da sua impulsividade estas crianças lidam ainda muito mal com a frustração e com a contrariedade. Por fim, a LABILIDADE EMOCIONAL (variações bruscas no humor). No fundo, vemos uma criança que representa, metaforicamente, uma espécie de furacão.
Uma criança hiperactiva origina grande instabilidade familiar, não só pelos comportamentos no seio da sua família, mas também porque socialmente coloca em cheque as capacidades educativas e pedagógicas dos pais, que se sentem frequentemente incapazes de conter ou dominar o seu filho e vivem sistematicamente sob a dura e ignorante crítica alheia.
Os fármacos, embora mal-amados, são essenciais para o controlo da impulsividade e da atenção. Posto isso, o acompanhamento psicológico será outro componente essencial na ajuda da criança e da sua família na gestão da problemática. 

Referência: Polaino-Lorente, A. & Ávila, C. (2004). Como viver com uma criança hiperactiva. Edições ASA.

sábado, 27 de novembro de 2010

Pedrinha (Do fanatismo)

O fanatismo é o inimigo número um da liberdade, da cultura e da ciência. O fanático não tem dúvidas. Por isso impõe a sua verdade; se necessário for, pela violência. Mas sem dúvidas, não construímos nada de novo, vivemos de ideias fossilizadas.
(António Coimbra de Matos)

Psicologia Positiva

No período que antecedeu a II Guerra Mundial, a Psicologia tinha três objectivos básicos: curar a doença mental, ajudar as pessoas a tornar a sua vida mais produtiva e completa e, por último, identificar e estimular talentos. Contudo, ao longo do tempo, a Psicologia tornou-se uma disciplina essencialmente curativa, baseada num modelo e ideologia de doença, virada essencialmente para o primeiro objectivo acima citado.
O movimento chamado Psicologia Positiva surgiu recentemente (embora já outras correntes dentro da Psicologia tivessem abordado a questão) reacendendo o tema, focando-se essencialmente no estudo das potencialidades e dos factores individuais, comunitários e sociais que estimulam as experiências positivas, dirigindo-se assim mais para a prevenção e menos para a cura. Tem como objectivo a optimização do funcionamento do indivíduo. Como? Focando-se nas suas forças e não nas fraquezas. Maximizando os recursos do indivíduo e estimulando as suas potencialidades, como por exemplo, a inteligência, o optimismo, a auto-eficácia e a resiliência (significando esta última a capacidade do indivíduo enfrentar os problemas, superar os obstáculos ou resistir à pressão em situações adversas). Foca ainda a estimulação de outros traços positivos individuais como a capacidade de amar, vocação, coragem, competências interpessoais, sensibilidade estética, perseverança, capacidade de perdoar, originalidade, capacidade de perspectivar o futuro, espiritualidade e sabedoria. Subjectivamente, o campo da Psicologia Positiva implica trabalhar as experiências subjectivas de bem-estar, contentamento, satisfação (respeitantes ao passado); “fluir” e felicidade (respeitantes ao presente), esperança e optimismo (respeitantes ao futuro).
Porque se fala tanto de Psicologia Positiva? Lembramo-nos das receitas mágicas do livro “O Segredo” que andou recentemente nas bocas do mundo e percebemos que vivemos uma época propícia ao surgimento de correntes de energia positiva. Ainda assim, não poderemos nunca negligenciar a outra face da Psicologia, tradicional mas pertinente, pois no equilíbrio entre as metodologias encontramos mais virtude do que no extremismo. É essencial estudar o ser humano numa perspectiva integradora, na qual o mesmo é concebido como um agente activo que constrói a sua própria realidade. Através da selecção, interpretação e da influência dos ambientes com os quais se confronta, o indivíduo contribui para o desenvolvimento das suas capacidades e tendências.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Amor em Tempos de Inverno


'O amor nasce e desenvolve-se: entre ajustamentos, desajustamentos e reajustamentos. A relação amorosa não é linear, mas por ondas. Também tem marés. Na maré baixa – “tempos de Inverno”, na nossa metáfora –, pode ser a indiferença ou a ausência de desejo. Mas não só: a ternura é um poderoso ingrediente do amor, assim como a confiança e o cuidar (no sentido restrito e amplo de “tomar conta de”). É aí, em tempos mais difíceis, que o verdadeiro amor se revela e confirma. No Verão mostra-se, no Inverno demonstra-se.'

(António Coimbra de Matos, comunicação de abertura do Seminário Amor em Tempos de Inverno, Outubro 2010)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Sobre a infertilidade


Não há espaço para ter filhos cedo. A vida profissional custa a engrenar e a simultânea imaturidade emocional dos jovens adultos tem vindo a adiar a idade do casamento e os planos de constituir família. Consequentemente, há um risco cada vez mais presente que se relaciona com este adiamento da parentalidade: a infertilidade. A capacidade reprodutora do casal diminui ao longo da idade. Acrescem os factores emocionais que dificultam o processo, nomeadamente o stress do quotidiano.
Esta é uma dura prova para qualquer casal. O stress e a ansiedade despoletados perante a situação de infertilidade relacionam-se não só com a pressão social para gerar descendência mas também com os conceitos de feminilidade e masculinidade. Cada indivíduo e cada casal reagem de forma diferente. Contudo, grosso modo, sentimentos depressivos, raiva, culpa e isolamento social são as manifestações mais comuns. Mais, há severas consequências a nível da satisfação e futuro conjugal. Muitas vezes, a dificuldade em conceber um filho pode ser estritamente do foro psicológico. O stress e a ansiedade representam um obstáculo central e frequentemente a criança pode ser concebida quando menos se espera, inclusivamente quando o casal já desistiu de tentar. Noutros casos, quando a origem do problema é orgânica e está, concretamente, num dos elementos do casal, surgem ampliados os sentimentos de culpabilização e a diminuição da auto-estima, devido ao sentimento de responsabilização pela dita incapacidade.
Depois, vem a busca de uma solução. Os tratamentos para infertilidade podem ser física, emocional e economicamente desgastantes para o casal. É essencial um suporte psicológico competente, levado a cabo por técnicos que acompanhem o casal ao longo de todo o percurso e que proporcionem um entendimento das várias etapas do processo. Dentro do próprio casal, é fundamental manter sempre aberto um canal de comunicação, assim como procurar um suporte psicoterapêutico que ajude a elaborar o stress, as angústias e as frustrações inerentes a todo o processo. Sem esquecer o papel de conforto a representar pelos familiares.
Esta é uma situação de vida que o casal não deve, de todo, enfrentar sozinho. É ainda importante não permitir a medicalização da questão. A infertilidade possui causas multideterminadas, portanto, acima de tudo, não se admite uma intervenção que exclua a dimensão emocional nem o contexto social no qual está inserida.

sábado, 20 de novembro de 2010

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Princípio do Prazer vs. Princípio da Realidade



Existem pessoas que querem fazer apenas aquilo que lhes apetece, quando lhes apetece e como lhes apetece. Em senso comum, chamamos a isto ser egocêntrico, egoísta ou infantil. Outras pessoas há que são mais contidas e sabem que nem sempre podemos fazer aquilo que nos apetece como nos apetece e quando nos apetece, aceitando esta realidade com maior facilidade. Chamamos-lhe maturidade, responsabilidade ou racionalidade.
Em termos psicanalíticos, há dois conceitos interessantes introduzidos por Sigmund Freud há muitas décadas atrás: princípio do prazer e princípio da realidade. O princípio do prazer é então o desejo de obter uma gratificação imediata. Quando movido por este instinto, o sujeito age de forma a sentir prazer e evitar a dor, mostrando uma baixa tolerância à frustração. Opõe-se ao princípio da realidade, que representa a capacidade de adiamento de uma gratificação.
Ou seja, o que acontece é que quando queremos fazer algo que não é correcto ou oportuno fazer, temos duas alternativas: uma, passamos por cima do que for necessário para concretizar a nossa vontade, movidos pelo caprichoso princípio do prazer; duas, aguardamos por um melhor momento ou aceitamos a impossibilidade total de realizar tal desejo, compreendendo que a vida apresenta limitações e que nem tudo acontece como gostaríamos.
Nos primeiros tempos de vida, o ser humano é dominado pelo princípio do prazer. As crianças querem ver os seus desejos realizados imediatamente e a capacidade de adiar a satisfação de um desejo ou necessidade e de suportar a dor e a ansiedade vai sendo construída ao longo do tempo. Depois, o desenvolvimento desta capacidade torna-se em grande parte uma responsabilidade dos educadores, que desde cedo vão mostrando aos seus filhos o que pode e não pode acontecer, o que é e não é possível, apresentando-lhes as primeiras frustrações da vida e ensinando-lhes quotidianamente com naturalidade que nem sempre as coisas acontecem quando e como queremos. Começa a desenvolver-se o princípio da realidade. Num indivíduo adulto bem estruturado, este é o princípio dominante.
No entanto, nem sempre tal acontece. Por vezes, há uma falha no equilíbrio entre os dois princípios e o princípio do prazer sobrepõe-se, tornando o sujeito omnipotente, caprichoso e desajustado socialmente, pois ao procurar sistematicamente satisfazer o seu desejo acaba por entrar em conflito com o desejo do outro, tantas vezes diferente do seu. Note-se que, embora o princípio da realidade seja mais favorável ao bom desenvolvimento, também pode acontecer o inverso, quando uma exclusividade do princípio da realidade torna o indivíduo exageradamente contido, incapaz de se permitir a saborear. Tão contido que também dificilmente viverá com plenitude. Como sempre, no meio encontramos a virtude.